NA SUAVIDADE DE UM CANTO FEMININO
Por Reginaldo Costa
De
assinante a colaboradora, Sólima Genuína floresceu para a literatura parnaibana, através do Jornal INOVAÇÃO, afinando o canto feminino às
letras, por origem e competência pessoal. Longe do amargor das discussões
ideológicas, semeou ideias, comungando com o Grupo, o desejo de ver a imprensa
comprometida acima de tudo com as pautas de interesse da coletividade.
Escritora e jornalista de
inquestionáveis virtudes, na
intimidade das palavras, lapida a escrita não por formalidade, mas
para enriquecer o conteúdo, adicionando técnica à sensibilidade, sem a
prolixidade de quem se perde em artificialismos.
Autêntica
na arte de amar a Parnaíba, no exercício do entusiasmo, administra o olhar
sobre ela, aprofundando o sentimento de pertencimento como recurso de elevação
da espiritualidade, harmonizando amor e razão em que o cerne dos problemas, organizados
na mente por sensibilidade aguçada e apurado senso crítico, é utilizado
como subsídio de reflexão.
Repercutindo a demolição
da Praça da Graça, colocou em cena dois conversadores emplumados – o ganso e a
garça, retirados do habitat natural para a crueldade do concreto, onde se
sacrificariam para alimentar o ego daquela
gente dita civilizada.
Abandonados
à própria sorte, (se é que tinham!), os simpáticos (e maltratados!) bípedes
batiam o maior papo (e que papo!), despreocupados do desconforto de águas
malcheirosas. Ainda assim, exibiam a faceirice, acrescentada ao projeto tocado em
regime de urgência como alternativa negociada para amenizar a ira popular.
Durante
a leitura agradável, no momento da entrega da primeira crônica da série para
publicação no jornal, ela permanecia de olhos na minha direção. Por estar
gostando, eu sorria discretamente, ao mesmo tempo em que ela reagia com
delicadeza angelical, sem acreditar na satisfação. Ao término, pergunta se deveria continuar escrevendo. Sem
necessidade de aprovação alheia, certamente entenderia o significado da
colaboração, não por vaidade, mas se despojando por encontrar o verdadeiro
sentido da existência pela percepção generosa da escrita como particularidade
inerente à própria alma.
Fidelíssima
com o compromisso assumido, vale destacar que a partir da estreia no
jornalismo, em janeiro de 1980, Sólima Genuína alça a condição de mais atuante
e efetiva colaboradora do jornal. Quarenta e três artigos versando sobre
literatura, comportamento, cultura popular, educação, ecologia, meio ambiente,
turismo, religião, que compõem o acervo da expressão de sua inteligência, serão
publicados na série ENCONTROS COM O INOVAÇÃO.
Especialmente
inclinada à produção literária, Sólima Genuína dedica tempo exclusivo à pesquisa sobre o alcance da obra, dimensão humana e espiritual de Humberto de
Campos, com a mesma intensidade da em que o escritor maranhense impulsionou as
emoções, em riquíssima produção literária, materializando sentimentos de
afeição à terra que o acolheu, compartilhando
o resultado do esforço em três artigos, na série ENCONTROS COM
HUMBERTO DE CAMPOS, por ela criada. Aprofundando os estudos, no centenário
de nascimento do escritor, em 1986, nos presenteia a obra “Comentando Humberto
de Campos”, impresso em mimeógrafo.
Lembrado
pela própria iniciativa ao oportunizar a germinação de cajueiro no quintal da
residência, o ilustre escritor estabeleceu um ponto de luz, realçando aos céus
a espargir bons fluidos, simbolizando a ligação eterna com a cidade amada.
Assumindo
a condição de ativista de causas que enobrecem a natureza humana, Sólima
Genuina encontra consigo mesma quando aceita fazer parte do grupo que deu
origem a Fundação Cultural Assis Brasil, unindo-se a Ednólia Fontenele,
Luzanira Araújo, Tércia Siqueira, Airton Saraiva, entre outros que foram
incorporando o ideal como meio de elevação da consciência. O que seria motivo
de orgulho, passa a ser experiência dolorosa, em que o caminho das pedras, levaria à constatação dos valores estabelecidos a partir do preconceito, sendo que o
próprio escritor que deu nome à entidade, estimula a compreensão de causas e
consequências da falta de compromisso da elite cultural com as novas
configurações da sociedade.
Idealizada
para resgatar a literatura parnaibana estimulando o hábito da leitura, aquela
entidade passaria para a história como sonho impossível, porém, sem traumas
para a geração que teve a grandeza de acolher como agenda de conteúdo
civilizatório, olhando para a frente e enfrentando a arrogância dos chamados
podres poderes.
Companheira
virtuosa que me cumprimentava sorrindo, sem exprimir alegria, mas
com a expressão facial de quem irradia contentamento, Sólima Genuína jamais
se perdeu do amor aos semelhantes. Imune
às investidas da maldade, combina em anseios com pessoas que se sentem atraídas
por coisas que não têm o cheiro da matéria.
Espelho
vivo da herança genética materna, a afabilidade alimenta a esperança contínua
de ver o entendimento superando a catástrofe das guerras. Vivendo o pleno
exercício do amor incondicional e religiosidade profunda, considera sem sentido
pensar em desesperança se a beleza das coisas nos revela o lado alegre e
otimista da existência, na qual o Cristo Caminheiro, nos conduz aliviando as
dores necessárias ao aperfeiçoamento da alma.
Revivendo
os tempos em que me recepcionava à avenida Presidente Vargas,
465, onde se aconchegava na companhia da genitora, dona Neusa da Fonseca Lima, com os seus mais de 70
anos, uma no papel de anjo da guarda da outra, lembro como se fora
hoje, o gesto construtivo da entusiasta
do jornal e da filha Sólima.
Prática na maneira de ver e encarar a vida, dona Neusa
se dirigia com ternura, demostrando preocupação e querendo saber se
eu não sentia medo e de que maneira superava as agressões, que considerava
absurdas.
Sentada na poltrona a meu
lado, na pequena sala de estar, demonstrou conhecimento dos dissabores
enfrentados pela equipe do jornal, tendo a filha por interlocutora.
Surpreso, senti o afago maternal na expressão do olhar, a brandura nos gestos e
mansidão nas palavras, comovendo pelo desejo de alterar o curso dos fatos e
conclui a fala:
— Rapaz, você não é espada do mundo...
não vai conseguir mudar muita coisa.
Certamente
surpreso, senti o afeto de mulher docemente solidária, dimensionando a energia pessoal
revestida de bondade que ultrapassa fronteiras. Nesse contexto, as memórias se
constituem elementos de afirmação histórica que transcendem no tempo
Mantendo
minimizado na tela das lembranças os arquivos indestrutíveis do relacionamento
que se fortaleceu ao longo dos anos pela reciprocidade do respeito, não por
acaso, nos ocorre a oportunidade de festejar a coerência da caminhada de quem sabe
“a dor e a delícia de ser o que é”.
Basta
lembrar a publicação do artigo “Caranguejo é motivo de reunião nos Morros”, nos
anos oitenta, marcando o desabrochar da autora de “Charles o escultor”, na
imprensa parnaibana, em que se aparenta como defensora de categorias e de
pessoas, sabendo a importância de seguir a consciência, a sabedoria da natureza
e a busca pela verdade. Inspirada nas palavras de Humberto de Campos, como faz
agora, Sólima Genuina, se debruça sobre a biografia de Charles de Castro Silva,
cidadão iluminado, que se insere definitivamente, no universo histórico da
cidade, demonstrando o poder do dom que se manifesta por meio da arte como
expressão de si mesmo e da divindade.
Em
acabamento artesanalmente focado no padrão de qualidade, a editoração de “Charles
o escultor”, se reveste em produção literária de longo alcance em que a arte
sacra nas variadas formas de utilização de recursos oriundos da natureza, se
revela em benefício do homem. Tratando-se de “Charles do Delta”, nos remete
imaginar a dinâmica do processo de criação em constante aprimoramento, em que o
balé de mãos que dançam na sincronia da arte como dom de Deus nos permite entender
que “lá onde está o teu tesouro estará o teu coração”.
Dessa
maneira, a humildade conferida aos de espírito elevado, no nível em que se
encontram a criadora da obra e a criatura enfocada, alimenta a convicção de que
a humanidade se identifica de fato, com a verdadeira concepção da divindade.
Com
o tempo predominando sobre todas as coisas, nada teria sentido, não houvesse a
possibilidade de sonhar e lutar por objetivos comuns ao lado de pessoas que se
assemelham, abrindo janelas para compreendermos o sentido da existência. É
nesse aspecto que Sólima Genuína, autora de “Charles o escultor”, se enquadra,
tornando grandiosos os pequenos detalhes.
Reginaldo Costa, jornalista, escritor, fundador do Jornal "Inovação" órgão que na década de 1970 hasteou uma bandeira em defesa do povo parnaibano.
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