quarta-feira, 21 de maio de 2025

 NA SUAVIDADE DE UM CANTO FEMININO

 

Por Reginaldo Costa

De assinante a colaboradora, Sólima Genuína floresceu para a literatura parnaibana, através do Jornal INOVAÇÃO, afinando o canto feminino às letras, por origem e competência pessoal. Longe do amargor das discussões ideológicas, semeou ideias, comungando com o Grupo, o desejo de ver a imprensa comprometida acima de tudo com as pautas de interesse da coletividade.

Escritora e jornalista de inquestionáveis virtudes, na intimidade das palavras, lapida a escrita não por formalidade, mas para enriquecer o conteúdo, adicionando técnica à sensibilidade, sem a prolixidade de quem se perde em artificialismos.

 

Autêntica na arte de amar a Parnaíba, no exercício do entusiasmo, administra o olhar sobre ela, aprofundando o sentimento de pertencimento como recurso de elevação da espiritualidade, harmonizando amor e razão em que o cerne dos problemas, organizados na mente por sensibilidade aguçada e apurado senso crítico, é utilizado como subsídio de reflexão.

Repercutindo a demolição da Praça da Graça, colocou em cena dois conversadores emplumados – o ganso e a garça, retirados do habitat natural para a crueldade do concreto, onde se sacrificariam para alimentar o ego daquela gente dita civilizada.

 

Abandonados à própria sorte, (se é que tinham!), os simpáticos (e maltratados!) bípedes batiam o maior papo (e que papo!), despreocupados do desconforto de águas malcheirosas. Ainda assim, exibiam a faceirice, acrescentada ao projeto tocado em regime de urgência como alternativa negociada para amenizar a ira popular.

Durante a leitura agradável, no momento da entrega da primeira crônica da série para publicação no jornal, ela permanecia de olhos na minha direção. Por estar gostando, eu sorria discretamente, ao mesmo tempo em que ela reagia com delicadeza angelical, sem acreditar na satisfação. Ao término, pergunta se deveria continuar escrevendo. Sem necessidade de aprovação alheia, certamente entenderia o significado da colaboração, não por vaidade, mas se despojando por encontrar o verdadeiro sentido da existência pela percepção generosa da escrita como particularidade inerente à própria alma.

 

Fidelíssima com o compromisso assumido, vale destacar que a partir da estreia no jornalismo, em janeiro de 1980, Sólima Genuína alça a condição de mais atuante e efetiva colaboradora do jornal. Quarenta e três artigos versando sobre literatura, comportamento, cultura popular, educação, ecologia, meio ambiente, turismo, religião, que compõem o acervo da expressão de sua inteligência, serão publicados na série ENCONTROS COM O INOVAÇÃO.

 

Especialmente inclinada à produção literária, Sólima Genuína dedica tempo exclusivo à pesquisa sobre o alcance da obra, dimensão humana e espiritual de Humberto de Campos, com a mesma intensidade da em que o escritor maranhense impulsionou as emoções, em riquíssima produção literária, materializando sentimentos de afeição à terra que o acolheu, compartilhando o resultado do esforço em três artigos, na série ENCONTROS COM HUMBERTO DE CAMPOS, por ela criada. Aprofundando os estudos, no centenário de nascimento do escritor, em 1986, nos presenteia a obra “Comentando Humberto de Campos”, impresso em mimeógrafo.

Lembrado pela própria iniciativa ao oportunizar a germinação de cajueiro no quintal da residência, o ilustre escritor estabeleceu um ponto de luz, realçando aos céus a espargir bons fluidos, simbolizando a ligação eterna com a cidade amada.

Assumindo a condição de ativista de causas que enobrecem a natureza humana, Sólima Genuina encontra consigo mesma quando aceita fazer parte do grupo que deu origem a Fundação Cultural Assis Brasil, unindo-se a Ednólia Fontenele, Luzanira Araújo, Tércia Siqueira, Airton Saraiva, entre outros que foram incorporando o ideal como meio de elevação da consciência. O que seria motivo de orgulho, passa a ser experiência dolorosa, em que o caminho das pedras, levaria à  constatação dos valores estabelecidos a partir do preconceito, sendo que o próprio escritor que deu nome à entidade, estimula a compreensão de causas e consequências da falta de compromisso da elite cultural com as novas configurações da sociedade.

Idealizada para resgatar a literatura parnaibana estimulando o hábito da leitura, aquela entidade passaria para a história como sonho impossível, porém, sem traumas para a geração que teve a grandeza de acolher como agenda de conteúdo civilizatório, olhando para a frente e enfrentando a arrogância dos chamados podres poderes.

Companheira virtuosa que me cumprimentava sorrindo, sem exprimir alegria, mas com a expressão facial de quem irradia contentamento, Sólima Genuína jamais se perdeu do amor aos semelhantes. Imune às investidas da maldade, combina em anseios com pessoas que se sentem atraídas por coisas que não têm o cheiro da matéria.

Espelho vivo da herança genética materna, a afabilidade alimenta a esperança contínua de ver o entendimento superando a catástrofe das guerras. Vivendo o pleno exercício do amor incondicional e religiosidade profunda, considera sem sentido pensar em desesperança se a beleza das coisas nos revela o lado alegre e otimista da existência, na qual o Cristo Caminheiro, nos conduz aliviando as dores necessárias ao aperfeiçoamento da alma.

Revivendo os tempos em que me recepcionava à avenida Presidente Vargas, 465, onde se aconchegava na companhia da genitora, dona Neusa da Fonseca Lima, com os seus mais de 70 anos, uma no papel de anjo da guarda da outra, lembro como se fora hoje, o gesto construtivo da entusiasta do jornal e da filha Sólima.

 

Prática na maneira de ver e encarar a vida, dona Neusa se dirigia com ternura, demostrando preocupação e querendo saber se eu não sentia medo e de que maneira superava as agressões, que considerava absurdas.

 

Sentada na poltrona a meu lado, na pequena sala de estar, demonstrou conhecimento dos dissabores enfrentados pela equipe do jornal, tendo a filha por interlocutora. Surpreso, senti o afago maternal na expressão do olhar, a brandura nos gestos e mansidão nas palavras, comovendo pelo desejo de alterar o curso dos fatos e conclui a fala:   

 

— Rapaz, você não é espada do mundo... não vai conseguir mudar muita coisa.

Certamente surpreso, senti o afeto de mulher docemente solidária, dimensionando a energia pessoal revestida de bondade que ultrapassa fronteiras. Nesse contexto, as memórias se constituem elementos de afirmação histórica que transcendem no tempo

Mantendo minimizado na tela das lembranças os arquivos indestrutíveis do relacionamento que se fortaleceu ao longo dos anos pela reciprocidade do respeito, não por acaso, nos ocorre a oportunidade de festejar a coerência da caminhada de quem sabe “a dor e a delícia de ser o que é”.

Basta lembrar a publicação do artigo “Caranguejo é motivo de reunião nos Morros”, nos anos oitenta, marcando o desabrochar da autora de “Charles o escultor”, na imprensa parnaibana, em que se aparenta como defensora de categorias e de pessoas, sabendo a importância de seguir a consciência, a sabedoria da natureza e a busca pela verdade. Inspirada nas palavras de Humberto de Campos, como faz agora, Sólima Genuina, se debruça sobre a biografia de Charles de Castro Silva, cidadão iluminado, que se insere definitivamente, no universo histórico da cidade, demonstrando o poder do dom que se manifesta por meio da arte como expressão de si mesmo e da divindade.

Em acabamento artesanalmente focado no padrão de qualidade, a editoração de “Charles o escultor”, se reveste em produção literária de longo alcance em que a arte sacra nas variadas formas de utilização de recursos oriundos da natureza, se revela em benefício do homem. Tratando-se de “Charles do Delta”, nos remete imaginar a dinâmica do processo de criação em constante aprimoramento, em que o balé de mãos que dançam na sincronia da arte como dom de Deus nos permite entender que “lá onde está o teu tesouro estará o teu coração”.

Dessa maneira, a humildade conferida aos de espírito elevado, no nível em que se encontram a criadora da obra e a criatura enfocada, alimenta a convicção de que a humanidade se identifica de fato, com a verdadeira concepção da divindade.

Com o tempo predominando sobre todas as coisas, nada teria sentido, não houvesse a possibilidade de sonhar e lutar por objetivos comuns ao lado de pessoas que se assemelham, abrindo janelas para compreendermos o sentido da existência. É nesse aspecto que Sólima Genuína, autora de “Charles o escultor”, se enquadra, tornando grandiosos os pequenos detalhes.

Reginaldo Costa, jornalista, escritor, fundador do Jornal "Inovação" órgão que na década de 1970 hasteou uma bandeira em defesa do povo parnaibano.

 

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