Este ano tem Olimpíada e com ela esperamos recordes. Serão milésimos de segundo que farão atletas esmurrar o ar, dançar e saltar enlouquecidos, locutores rasgarem suas gargantas, torcedores explodirem de euforia e dirigentes empresariais vibrarem em cifras. É o clímax de uma modalidade e para o vitorioso, o divisor entre o fracasso e a glória para sempre.
No decorrer das olimpíadas surgem fatos inéditos, como a primeira medalha conquistada por determinado país, a história de um atleta pobre que treina com material improvisado, fazendo contraste com a maioria rica e bem preparada; países que têm orçamentos vultosos para o esporte enquanto em outros lugares o praticante não tem um par de tênis novo; de gente que era obeso e perdeu peso até se tornar um atleta olímpico. Tem juízes que julgam mal e entram para a história pela porta errada; têm aqueles que não gostam de jogos olímpicos e não acreditam no esporte como algo saudável, apenas político ou comercial. Tem de tudo.
No evento maior do atletismo mundial serão dezenas de modalidades e poucos - ou nenhum - recorde. Nada é certo. Pode um campeão continental sagrar-se vencedor ou ser derrotado por um até então obscuro africano ou oriundo de uma ilha asiática que quase não consta no mapa mundial. Pode haver tropeços, quedas, uso de dopping, choros inconsoláveis, revoltas. Mas tudo acabará em menos de trinta dias, restando apenas imagens em abundância e medalhas para poucos.
Há treze meses vivemos dias de recordes e fatos inusitados de forma contínua, variados na quantidade, na qualidade, nos tipos físicos e abstratos, reais e fictícios, verdadeiros e falsos; recorde diário de contaminações, de óbitos, de vacinação; recorde semanal, quinzenal, mensal, anual; recorde de pessoa mais velha e mais nova a morrer; recorde do município, do estado, do país, do continente e do mundo sobre várias formas, números, gráficos, mapas.
Tem também alegria quando alguém sai do hospital, mesmo que seja uma cena melancólica, em cadeira de rodas e usando máscara ou quando toma a primeira dose da vacina, mesmo sem saber quando, e se tomará a segunda.
No começo brotava a todo dia a primeira infecção de país tal, a primeira morte de cada estado, um por um, como a chegada triunfal de uma corrida quilométrica. Contabiliza-se agora vítimas aos milhões, as que deixaram filhos bebês, as que morreram por falta de oxigênio, as que sucumbiram porque não conseguiram internação e por fim, que morreram porque tinha oxigênio, tinha leito, mas não suportaram os procedimentos de intubação por falta de medicamentos próprios.
Já temos imagens - fotos e vídeos - em quantidade imensurável; temos fatos de gente vitoriosa, como os médicos que atravessaram jornadas de 48 horas de plantão em UTI’s, que se dedicaram até se contaminar e morrer de Covid-19; da primeira pessoa a ser vacinada no mundo, no país, no estado, no município; do governante que não acreditou que teríamos algo sério e monstruosamente grande, e aqueles que sabotaram e usaram “dopping”, usando de artifícios fraudulentos, com propósito de subir no podium político ou aumentar o patrimônio econômico.
Tem de tudo. O problema é que ainda não terminou e até mesmo este texto num futuro próximo pode não ter mais sentido por sua pequenez. Há certidões de óbitos, mas a galeria não se encerrou; há recordes sendo batidos todos os dias mas a disputa continua; há heróis e detratores da “olimpíada”; há atletas de países ricos e pobres no mesmo combate; há juízes mal preparados e aos milhões julgando a todos, mas não a si próprios.
Temos recordes incontáveis. Tem história sendo feita e contada ao mesmo tempo, como novelas ou versos de repentistas. Mas não tem rostos sorrindo, fundo musical, cenários maravilhosos, nem medalhas de ouro, prata ou de bronze. Temos choros, saudades e mágoas.
Mas, sem que nós vejamos, há um Juiz supremo que monitora a Vida. E a eternidade da vida é o único recorde insuperável. E todos os doppings e malversação dos fatos serão repassados, mesmo depois de apagar a chama olímpica no grande estádio da vida.
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