Pádua Marques (*)
Havia dezenove anos que fora autorizada pelo bispo do Maranhão que se criasse algumas paróquias na capitania do Piauí, entre elas a de Nossa Senhora da Graça, esta em Parnaíba e construída pela família Dias da Silva. Naquele domingo de 13 de maio de 1820 a vila estava em festa pelas comemorações dos 53 anos do rei dom João VI. Simplício e o Senado da Câmara estavam recebendo as representações de Viçosa do Ceará e do Maranhão. De vez em quando saía na janela e dava vivas ao rei e ao príncipe herdeiro dom Pedro.
Simplício fazia de propósito aquela festa toda. Se vingava da desfeita, de oito anos atrás, em julho de 1812 quando encabeçou uma relação de pessoas pedindo ao soberano de que a residência do governador da capitania fosse mudada de Oeiras pra Parnaíba, chegando a oferecer dinheiro de sua fortuna pra construir o palácio, pelo que não foi atendido, assim como a questão da alfândega. Mas agora era hora de mostrar quem mandava, embora já começasse a ver a pobreza se avizinhando.
Pra festa foram mortos cinco bois e duas vacas, dez porcos, uma infinidade de galinhas. Mandou vir de São Luiz cinco barris de vinho e dois de aguardente, conhaque. Nas cozinhas de casa e na de pessoas da família e vizinhos, as negras cozinheiras não largaram a barriga do fogão desde o sábado. Era carne assada e cozida e feijão misturado com os miúdos. Muita fruta, farinha, abóbora cozida, milho verde cozido e assado. Pela manhã houve missa solene na igreja de Nossa Senhora da Graça e no largo da casa as barracas com muita comida e bebida, uma fartura de dar inveja a festa de governador.
Também vieram de São Luiz, no Maranhão, cinco caixas de fogos de artifício, que seriam queimados após a missa da noite no largo da igreja e na frente da casa de morada dos Dias da Silva. Na igreja dos pretos, do outro lado do largo, houve muito batizado e casamento. E pra animar a festa do rei dom João, veio um circo inteirinho. Grande Circo Venice, de Amedeo Picelli di Puntto. Vinha com cães adestrados, palhaços, cantores, anão equilibrista, engolidor de espadas, mulher barbada. No meio da missa os três escravos violoncelistas da casa de Simplício tocaram peças sacras. Logo na boca da noite começaram a chegar os convidados.
No cais do Porto Salgado as embarcações estavam embandeiradas. Era um sobe e desce de gente de Tutoia e povoados, vindo render homenagens ao rei dom João na pessoa de Simplício Dias da Silva. E vai que naquele movimento de todo dia, que não parava nem aos domingos, um homem com seu menino foi chegando no início da manhã, de canoa, com alguns porcos pra vender no mercado da rua Grande. Mal pisou em terra firme já foi abordado por Elias, escravo da confiança de Simplício Dias. Aqueles animais seriam pra servir de comida aos convidados!
O dono dos porcos quis criar confusão alegando pobreza e o único bem que tinha pra vender e levar algum tostão pra dentro de casa. Teve resposta que nem encompridasse conversa. Eram ordens lá de cima, de seu governador e senhor Simplício Dias da Silva. Sem ter pra onde correr e a quem pedir justiça, o homem caiu das carnes. Entregou os quatro porcos pra Elias e se retirou de cabeça baixa. Logo mais estaria bebendo aguardente, comendo feijoada e dando vivas ao rei com cara de porco.
Quando soube do ocorrido, já era passado o almoço e os porcos já estavam era servindo de comida lá no largo da igreja e na frente de casa. Deu nele raiva aquele malfeito do negro. Chamou Elias e perguntou quem deu ordens pra usurpar os porcos do caboclo. Tremendo feito menino com medo de relho nos couros, se coçando todo, o escravo disse que tinha sido o senhor seu rei dom João! Seu rei? E desde quando negro tinha rei?
Depois de coçar a cabeça Simplício meteu a mão no bolso e não encontrando nada mandou que fosse procurar no meio da praça o dono dos porcos. Mas antes cuspiu no chão de tijolos. Antes de secar queria o dono dos porcos na sua frente. Dom João VI bem que podia ter outros defeitos, ser tratante e falso, mas nunca seria ladrão! E ele, Simplício Dias da Silva nunca haveria de ser alcunhado de pegar no alheio, muito menos porcos.
Pádua Marques, cadeira 24 da Academia Parnaibana de Letras(*)
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