Nesta
manhã de domingo eu estava acabando de regar as plantas de nosso
jardim, quando de repente, olhando pra o chão de cimento encontrei uma
lagarta ainda viva se debatendo, se bulindo, coberta por um monte de
formigas. Uma cena deprimente e que logo depois me inspirou a escrever
sobre o destino das coisas e das pessoas. Principalmente aquelas que
estão de certa forma no serviço público.
Alguém
de casa, que até pode ter sido eu, pisou sem ver a lagarta enquanto ela
tentava com sua lentidão contumaz atravessar o pátio em direção às
plantas do jardim de minhas irmãs. Lá certamente encontraria o sossego e
o alimento pra sua vida toda, aquela lagarta estranha e que agora quase
morta lutava contra a força de centenas de agitadas e pequeninas
formigas vermelhas, quase pretas.
Conheço
o jardim de minha casa. Sei onde moram aquelas formigas e sei também
que até hoje não houve quem fizesse acabar com aquela moradia delas,
incômoda entre as lajes do pátio. Vez por outra eu fico a observar as
formigas trabalhando. Vão e voltam várias e várias vezes. Entram e saem
carregando pedaços triturados de folhas pra dentro do buraco.
De
cá de onde estou olho e vejo as mais habilidosas e gentis ajudando
outras quando o pedaço de folha é muito grande e não dá pra entrar no
formigueiro. Feito pobre entrando com o guarda roupa em casa pequena em
dia de mudança. As formigas trabalham muito. Nem sei e nunca procurei
saber se dormem direito, se têm direito a férias, décimo terceiro,
insalubridade, à licença maternidade, se assistem televisão. Se fazem
crochê, jogam videogame ou conversam com os parentes pelo whatsapp.
A
vida das formigas deve ser muito dura. Devem viver trocando de
formigueiro tão logo se sentem ameaçadas por uma pisada de chinelo, um
esguicho de água, uma vassoura, essas coisas que as donas de casa fazem
todos os dias sem olharem a quem estão incomodando. Mas voltando ao
jardim, às formigas e à lagarta quase morta tentando se livrar da morte
certa dentro de um túnel escuro, fico pensando como deve ser triste a
vida das lagartas de prefeituras e câmaras de vereadores.
Essas
lagartas, fantasmas, esses funcionários de cargos comissionados, amigos
de prefeitos, cabos eleitorais de vereadores, puxa sacos de toda linha,
gente sem experiência, estudo, qualificação nenhuma que está ali
ganhando um bom salário e em algumas situações nunca colocam ou
colocaram o pé dentro da repartição. Até porque o cargo pro qual estão
nomeadas nem sequer existe.
E
assim eles ficam quatro anos seguidos. Se tiverem sorte do patrão ser
reeleito serão oito anos de vida fácil. Carro do ano todo ano, viagens
pra dentro e pra fora do Brasil, bons colégios pros filhos, rodada de
cerveja e uísque pra quem quiser. Enquanto isso as formigas estão lá
dando o sangue pra que as atividades do serviço público sejam o menos
deficientes. Até que um dia alguém pisa a lagarta por descuido e então
ela vai servir de comida pra formigas. *Pádua Marques, jornalista e escritor.
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