O famoso escritor norte-americano Ernest Hemigway (1899 - 1961) autor de clássicos que se transformaram em filmes como "O Velho e o Mar" ( The Old Man and the Sea) e Por quem os Sinos Dobram (For Whom The Bell Tolls disse o seguinte sobre escrever: "...das coisas que aconteceram, e das coisas tal como existem, e de todas as coisas que se sabem e de todas aquelas que não se sabem, a gente faz algo, através da invenção, que não é uma representação, mas sim algo inteiramente novo e mais verdadeiro do que qualquer coisa verdadeira e viva, e a gente lhe dá vida, e a faz bastante bem, e lhe dá imortalidade. Eis aí por que se escreve, e não por qualquer outra razão que se saiba..." e foi assim que encontrei por acaso, quase escondido, um escritor parnaibano, cronista de mão cheia, o Xikin Carwalho que nada mais é do que nosso amigo Francisco de Assis Costa Carvalho, conhecido popularmente como Chiquin Cravalho ou Chquin do Sebrae. Como disse e um grande cronista, o "cronista é um contador de histórias, suas e dos outros. Histórias risíveis, em alguns momentos, de um mundo fadado à zombaria de botequim." O Xikin sabe manusear as palavras para dar um toque de humor às suas crônicas, às vezes mudando o nome dos personagens como o da Neyde Guidon de Toyota e o da Elizabete Cabelo de Milho. Mas deixando de trololó, vamos ao que interessa: a partir de hoje, sempre aos sábados, publicaremos uma crônica do Xikin Carwalho em nosso blog . Vamos então à primeira:
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CHUPADORES DE
CANA

Como
discutir Deus não é nossa pretensão, falemos então de “chupadores de cana”.
Nossos
Pais sempre viajavam com José a procura da cura. Jorge, Eu e João ficávamos na
casa de avós ou de tios. Desta vez ficamos no Edifício Leão, uma imensa morada
onde residiam nossos avôs Antonio Thomaz da Costa e Antonita. Dois extremos que
se uniram através do Amor. Vovô tinha mais de 1,80 m , pesava mais de 120 kg , branco e rosado,
observador, tímido, amável e um exímio comerciante. Vovó, pequenina, não chegava
a um metro e meio, pesava em torno duns 50 kg . Firme nos seus atos, uma mulher de
palavra, atuante e rigorosa na educação dos seus filhos e netos, e nos afazerem
domésticos. Religiosa ao extremo – filha de Maria e adoradora do Sagrado
Coração; uma Grande Mulher.
No
dia de N. S. da Graça, padroeira de nossa querida Parnaíba era dia de Missa e
Procissão. Para nós crianças que queríamos correr pular jogar bola e brincar,
achávamos um dia de muito sacrifico e, por isto mesmo, chato. Tínhamos que nos
empacotar em roupa de linho irlandês e calçar sapato polar de bico fino,
comprado na loja do seu Tote Machado. De manhã, obrigatoriamente, fomos a Missa
Solene, acompanhando nossos avôs, na Igreja da Matriz, às 07 da matina. Tava lá
o Bispo, Dom Paulo Hipólito de Sousa Libório, arrodeado “dum monte” de Padres,
sacristãos, coroinhas e outros homens vestidos “cum saião de muié”. Dom Paulo
com sua dicção de baixo tom, pausada e embolada, tornava o culto ainda mais
moroso e chato. Em resumo, era uma chatice. À tarde ia ter procissão, outra chatice,
no entender de qualquer criança. Tínhamos de 08 a 11 anos, não conseguíamos
entender o objetivo da ocorrência.
Jorge,
o primogênito, nos chamou e armou a presepada.
-
vamos jogar bola!?!?!
-
mas temos a procissão, respondi.
-
vamos nos esconder no telhado da Dona Chiquita Borges. Em não nos achando, Vô e
Vó vão pra procissão e nós vamos jogar futebol no terração.
Assim
fizemos. O edifício era alto e as casas coladas a ele podiam ser “visitadas”
através de seus telhados. Lá nos escondemos.
Meia-hora
antes da procissão, nossos avós deram por nossa falta. Mandaram Rita - uma
negra esguia, alegre e contadora de estórias e que todos da família adoravam
com ela prosear - nos procurar pelo edifício. Andou nos 09 quartos, 03 salas e
demais dependências, não nos achando. Então Vovó pediu ajuda a seu Estevão,
negro preto, forte, leal a nosso avô e descendente direto de escravos. Ele nos
achou bem facinho. Ele foi até o terceiro andar e de lá nos avistou.
Colocados
frente a frente aos nossos avôs, ficamos tristes, desiludidos e acabrunhados. Vó
iniciou o carão e Vô saiu de mansinho, retirou seu terno branco de linho
irlandês e foi se deitar muito chateado. Era a 1ª vez que faltavam a procissão
da padroeira. Vó nos fitou com olhos rígidos e acesos, e foi muito rigorosa
quando nos disse:
-
vocês são uns canalhas, uns canalhas. E se retirou.
João
iniciou um choro.
Jorge,
voltando-se para ele, disse:
-
lembre-se que Papai sempre nos diz que homem que é homem não chora, nem quando
a mulher vai embora.
-
ora Jorge, Vovó nos chamou de uma coisa muito feia, que nem sei o que é.
-
besteira João, Vó nos chamou foi de uma coisa muito boa. Canalha é chupador de cana.
João
engoliu o choro, foi para o gol e iniciamos o nosso futebol.
Moral
da estória:
“Só entra no Céu, quem na terra falta a procissão pra jogar
futebol ou faz danação, pois é lá, bem pertinho de Deus, o local de oração”.
Brasília, 19 de maio de 2009.
Xikin Karwalho
Muito bom seu texto Xikin...!! Adoramos Ana e João
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