sábado, 9 de abril de 2016

ESTÓRIAS DE XIKOUSE

 
 
 
 
 
 
O famoso escritor norte-americano Ernest Hemigway (1899 - 1961) autor de clássicos que se transformaram em filmes como "O Velho e o Mar" ( The Old Man and the Sea) e Por quem os Sinos Dobram (For Whom The Bell Tolls disse o seguinte sobre escrever: "...das coisas que aconteceram, e das coisas tal como existem, e de todas as coisas que se sabem e de todas aquelas que não se sabem, a gente faz algo, através da invenção, que não é uma representação, mas sim algo inteiramente novo e mais verdadeiro do que qualquer coisa verdadeira e viva, e a gente lhe dá vida, e a faz bastante bem, e lhe dá imortalidade. Eis aí por que se escreve, e não por qualquer outra razão que se saiba..." e foi assim que  encontrei por acaso, quase escondido,  um escritor parnaibano, cronista de mão cheia, o Xikin Carwalho que nada mais  é do que nosso amigo Francisco de Assis Costa Carvalho, conhecido popularmente como Chiquin Cravalho ou Chquin do Sebrae. Como disse e um grande cronista,  o "cronista é um contador de histórias, suas e dos outros. Histórias risíveis, em alguns momentos, de um mundo fadado à zombaria de botequim." O Xikin sabe manusear as palavras para dar um toque de humor às suas crônicas, às vezes mudando o nome dos personagens como o da Neyde Guidon de Toyota e o da Elizabete Cabelo de Milho.  Mas deixando de trololó, vamos ao que interessa: a partir de hoje, sempre aos sábados, publicaremos uma crônica do Xikin Carwalho em nosso blog . Vamos então à primeira:




 

 

 
 

CHUPADORES   DE  CANA

 

Filhos de João e Maria; Jorge, Francisco e João Filho, faziam muita danação, fato comum para crianças que ofereciam saúde como forma de demonstrar o quanto eram bem cuidados por seus pais. José, nosso irmãozinho caçula, não teve a mesma sorte, foi pego pelo destino para demonstrar que na vida também existe o lado do sacrifício, do sofrimento, do temor a Deus.

Como discutir Deus não é nossa pretensão, falemos então de “chupadores de cana”.

Nossos Pais sempre viajavam com José a procura da cura. Jorge, Eu e João ficávamos na casa de avós ou de tios. Desta vez ficamos no Edifício Leão, uma imensa morada onde residiam nossos avôs Antonio Thomaz da Costa e Antonita. Dois extremos que se uniram através do Amor. Vovô tinha mais de 1,80 m, pesava mais de 120 kg, branco e rosado, observador, tímido, amável e um exímio comerciante. Vovó, pequenina, não chegava a um metro e meio, pesava em torno duns 50 kg. Firme nos seus atos, uma mulher de palavra, atuante e rigorosa na educação dos seus filhos e netos, e nos afazerem domésticos. Religiosa ao extremo – filha de Maria e adoradora do Sagrado Coração; uma Grande Mulher.

No dia de N. S. da Graça, padroeira de nossa querida Parnaíba era dia de Missa e Procissão. Para nós crianças que queríamos correr pular jogar bola e brincar, achávamos um dia de muito sacrifico e, por isto mesmo, chato. Tínhamos que nos empacotar em roupa de linho irlandês e calçar sapato polar de bico fino, comprado na loja do seu Tote Machado. De manhã, obrigatoriamente, fomos a Missa Solene, acompanhando nossos avôs, na Igreja da Matriz, às 07 da matina. Tava lá o Bispo, Dom Paulo Hipólito de Sousa Libório, arrodeado “dum monte” de Padres, sacristãos, coroinhas e outros homens vestidos “cum saião de muié”. Dom Paulo com sua dicção de baixo tom, pausada e embolada, tornava o culto ainda mais moroso e chato. Em resumo, era uma chatice. À tarde ia ter procissão, outra chatice, no entender de qualquer criança. Tínhamos de 08 a 11 anos, não conseguíamos entender o objetivo da ocorrência.

Jorge, o primogênito, nos chamou e armou a presepada.

- vamos jogar bola!?!?!

- mas temos a procissão, respondi.

- vamos nos esconder no telhado da Dona Chiquita Borges. Em não nos achando, Vô e Vó vão pra procissão e nós vamos jogar futebol no terração.

Assim fizemos. O edifício era alto e as casas coladas a ele podiam ser “visitadas” através de seus telhados. Lá nos escondemos.

Meia-hora antes da procissão, nossos avós deram por nossa falta. Mandaram Rita - uma negra esguia, alegre e contadora de estórias e que todos da família adoravam com ela prosear - nos procurar pelo edifício. Andou nos 09 quartos, 03 salas e demais dependências, não nos achando. Então Vovó pediu ajuda a seu Estevão, negro preto, forte, leal a nosso avô e descendente direto de escravos. Ele nos achou bem facinho. Ele foi até o terceiro andar e de lá nos avistou.

Colocados frente a frente aos nossos avôs, ficamos tristes, desiludidos e acabrunhados. Vó iniciou o carão e Vô saiu de mansinho, retirou seu terno branco de linho irlandês e foi se deitar muito chateado. Era a 1ª vez que faltavam a procissão da padroeira. Vó nos fitou com olhos rígidos e acesos, e foi muito rigorosa quando nos disse:

- vocês são uns canalhas, uns canalhas. E se retirou.

João iniciou um choro.

Jorge, voltando-se para ele, disse:

- lembre-se que Papai sempre nos diz que homem que é homem não chora, nem quando a mulher vai embora.

- ora Jorge, Vovó nos chamou de uma coisa muito feia, que nem sei o que é.

- besteira João, Vó nos chamou foi de uma coisa muito boa. Canalha é chupador de cana.

João engoliu o choro, foi para o gol e iniciamos o nosso futebol.

 

Moral da estória:

“Só entra no Céu, quem na terra falta a procissão pra jogar futebol ou faz danação, pois é lá, bem pertinho de Deus, o local de oração”.

 

 

Brasília, 19 de maio de 2009.

Xikin Karwalho

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