quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

CONTO NATALINO

NOITE FELIZ - Final

Antonio Gallas  




Não conseguira dormir nessa noite.  Com os olhos lacrimejando  procurava encontrar uma razão para que havia acontecido. Daniele tentando consolá-lo abraçou-o e disse-lhe: - Tenha fé em Deus que tudo vai ficar bem e você vai reconstruir sua oficina.
Mas que Deus e este? - questionava a si próprio. Como pode ser um Deus justo e fazer uma coisa dessas comigo? Logo eu, que frequento a missa, cumpro com o meu dever de pai, de esposo, de cidadão e gosto de ajudar os mais pobres. Por que, meu Deus?
Sempre aos domingos, na Igreja de São José, no bairro em que morava,   assitia a missa, comungava, e durante o ofertório dava sua contribuição, que no seu entender,  estaria  a  cumprir  com suas obrigações de um bom católico.  Gostava de ouvir as pregações do monsenhor Antonio Sampaio, um grande orador sacro nascido neste solo parnaibano.
Mas diante do trágico acontecimento Rafael sentiu sua fé abalada. Por coincidência, um cliente esquecera na sua oficina um livro, versão em Português de "The End of Faith" do autor americano Sam Harris  ( O Fim da Fé) e que ele, Rafael, leu  alguns capítulos.  No livro, que foi escrito após o ataque das torres gêmeas nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, o autor  critica todos os estilos crença religiosa,  às vezes,  induzindo o leitor ao ateísmo.
Rafael estava com o juízo ardendo. A mente confusa ao imaginar como fazer para cumprir as obrigações assumidas junto à instituição financeira que financiou a compra dos equipamentos. Da oficina pouco restou.  Apenas os equipamentos em ferro e aço. Paredes, teto, e outras coisas, além de dois carros que estavam no galpão, tudo foi  transformado  em cinzas.  Se não bastasse essa preocupação tinha ainda que aturar o patati-patatá  da dona Gertrudes:
- Isso tudo foi culpa dele. Na pressa de ir se encontrar com as raparigas, não reparou direito se tinha desligado as tomadas... Foi alguma faísca elétrica que provocou o incêndio. Quem sabe alguma gambiarra...
Rafael teve o ímpeto de dar uns tabefes na sogra mas conteve-se. Resolveu sair de casa. Foi morar na oficina. Improvisou uma barraca de lona e ficou lá, até para vigiar o que ainda restava e não ser carregado pelos ladrões.
Começou fazer uns "bicos" mas o pouco dinheiro que ganhava corria para os bares, que segundo ele, a bebida era o seu alívio, o seu consolo, o que lhe fazia bem.
Mas, será que este seu pensamento estava correto ? O poeta piauiense Da Costa e Silva, nos dois últimos versos do soneto A Moenda afirma:
"- álcool para esquecer os tormentos da vida
- e cavar, sabe Deus, um tormento maior".

Naquela noite de natal, ao acordar e levantar da sarjeta onde dormira, saiu ainda cambaleante "abilobado", e quando deu por si, estava na Catedral de Nossa Senhora da Graça onde em poucos minutos seria celebrada a tradicional Missa do Galo. Ao passar pela porta principal da igreja notou que as pessoas afastavam-se  onde ele estava. Procurou um banco para sentar-se mas todos lotados. Reuniu forças e encostou-se em uma das colunas próximas da porta de entrada da igreja. O mal cheiro exalando da sua roupa e do seu próprio corpo afastavam as pessoas parta distante dele. 
Acompanhara, sem ninguém ao seu lado, todos os rituais da Santa Missa, porém, antes da comunhão eucarística o sacerdote  pronuncia as palavras do evangelho de João Capítulo 14, versículo 27 que diz:  "eu vos dou a paz, eu vos deixo a minha paz".
No momento do abraço da paz anunciado pelo bispo, Rafael ao ver todos  na igreja abraçando-se, beijando-se, confraternizando-se em comunhão com Cristo,  sentiu saudades da esposa e da filha. Não conteve as lágrimas. Chorou, embora silenciosamente, mas chorou. Foi então que sentiu  pelas suas costas um abraço carinhoso e uma mão de criança apertar s sua mão.
Virou-se e foi surpreendido com um beijo e o abraço carinhoso da esposa e da filha.
- Vamos para casa. Vamos recomeçar nossa vida. Arranjei um emprego de zeladora numa escola.
As pessoas na igreja ficaram  boquiabertas  ao presenciarem uma senhora e uma criança bem vestidas abraçarem e beijarem o que parecia ser um bêbado mendigo e fedorento.
Para  Rafael, aquela sim, não deixou de ser uma NOITE FELIZ!

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