segunda-feira, 3 de junho de 2019

AS ROSAS DA PRINCESA ISABEL


Por Pádua Marques (*)

A princesa Isabel tinha em casa um escravo de sua confiança chamado Sebastião. Tião, pra ser mais íntimo da casa da futura imperatriz do Brasil, não fosse o marechal Deodoro e os seus pariceiros Benjamin Constant e Floriano Peixoto. Era de um tudo. Levava recados pra dona Tereza Cristina, lavava os penicos que o conde D’Eu usava de noite, colocava sela nos cavalos pra os filhos da princesa passearem dentro de São Cristóvão e aguava as roseiras do pé da janela.
Dona Tereza Cristina não tolerava o diabo do negro. E vai lá que tinha suas razões. Aliás, nunca gostou dessa coisa de negro dentro de casa, dando palpite no de comer, no de beber, no de vestir, ouvindo conversa atrás de porta, roubando um naco de queijo dos netos ou uma galinha gorda que o Duque de Caxias ou o marquês do Paranaguá, aquele ministro de seu marido, lá do Piauhy de vez em quando mandava pra o imperador comer ao molho pardo e depois fazer uma canja.
Dom Pedro sempre foi muito tolerante, ela não. Onde já se viu aquele palácio não ter uma guarda de honra que fizesse boa estampa aos seus patrícios italianos quando visitavam São Cristóvão? Ficava com a porta cheia de negros sem nenhuma compostura. Mas tudo culpa dessa mania do marido passar o dia todo enfurnado em cima de um monte de livros, mapas, no laboratório privado esmiuçando aqui e ali pra ver se descobria alguma coisa com aquela cara de Papai Noel dele.
Mas Tião era um negro preguiçoso e debochado. Abusava da confiança da princesa. O príncipe Gastão de Orleans não gostava de ver nem pintado o negro, quanto menos conversando com sua mulher e de brincadeira com seus filhos. Dona Isabel mandava ele regar as plantas e ele ia era se meter na cozinha atrás de conversa com as criadas. Aquela cozinha de São Cristóvão era um ninho de fuxico! Negro entrando e saindo feito que nem formiga.
Dona Isabel chamou um dia Tião e o encarregou de cuidar de suas roseiras. O serviço era trazer água de uma fonte ali perto e não deixar que elas morressem. As rosas colhidas seriam levadas pra igreja. No começo foi tudo muito bem. Mal dona Isabel levantava e já ouvia o negro assobiando e chegando do rio com a água pra jogar nas plantas. Era um cuidado fora de coisa comum.
Dom Pedro já estava até pensando em dar um aumento no salário de Tião, liberar o FGTS pra ele comprar uma casa no programa Minha Casa, Minha Vida. Dona Teresa Cristina foi que nunca engoliu esse negócio daquele negro viver dentro da casa da filha entrando e saindo da cozinha e passando pela sala na frente das visitas, mascando fumo e se coçando.
Uns meses se passaram e a princesa um dia percebeu que suas rosas estavam de vermelhas ou brancas ficando amarelas! Pensou em chamar seu pai o imperador, homem que vivia dia e noite em pesquisas e mais pesquisas, pra ter alguma explicação sobre aquele fenômeno. Ele chamou os maiores cientistas de França e Inglaterra pra que dissessem o que era aquilo de uma rosa vermelha está assim de repente ficando amarela. Foram mandar gente e ministros até a Holanda. Vieram cientistas da Turquia e da Grécia. Descobriram nada!
Conde D’Eu e dona Teresa Cristina, que nunca gostaram de negros dentro de casa e com intimidades com os seus, passaram a olhar com desconfiança aquela estranheza das rosas ficando de vermelhas ou brancas em amarelas. Disseram a uma só voz o que achavam. Isabel, minha filha, esse Tião, com preguiça de buscar água no rio, estava era mijando nas suas roseiras. Só podia ser isso!
Meteram tanta conversa na cabeça de dona Isabel, que ela resolveu tirar a limpo aquela história. Numa noite disse que iria dormir mais cedo pra acordar no outro dia bem ao raiar do dia, antes que o galo cantasse. De madrugada se acordou, acendeu a vela e ficou escutando movimento que vinha do jardim. Pouco depois ouviu uma tossida longe. Era Tião temperando a goela e dando sinal de presença.
Dona Isabel ficou apurando o ouvido, mas nada ouviu além de uma cantiga de grilo aqui e mais adiante. Imaginou que Tião havia saído pra buscar os animais e as ancoretas com o que traria a água. E demorou e demorou e nada. A vela já havia queimado a metade e o diabo do negro Tião ainda não chegava com a água pra começar o serviço.
De repente ela ouviu um barulho de água caindo. Por onde ele havia chegado que nem fez barulho? Que água mais pouca era aquela? Que marmota seria aquela de Tião ter ido tão ligeiro? Abriu a janela de uma vez e viu o criado ainda abotoando a braguilha. Os olhos mais pareciam umas tochas de fogo, de tão encarnadas que eram. Tião, que é que tu tá fazendo com minhas roseiras? O pé do negro foi um vento. Até hoje.
 Pádua Marques (*) Membro  da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba, colaborador do Opiagui

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