quinta-feira, 7 de março de 2024

CRÔNICA DE PAULO DE TARSO

 "AQUI SE FAZ, AQUI SE PAGA".


Noite adentro, em um bar no Ibirapuera - um bar vazio tocando Beatles - ralando de amargura, sem vida, o coração inquieto a sangrar aberto imerso em solidão e de intensidade que não combina com pessoas rasas, ele caminha a via-crúcis imudável que o destino lhe destinou. As cargas da vida lhe fazem ver estrelas ao meio-dia. A voz de dentro que lhe sussurra, lhe diz o que é certo ou não. É que na angustura de uma incerteza aflitiva, ele encara e lamenta a mal aventura da perda do leito de Afrodite que se foi.


Não nutre dúvidas de que hoje ela, de passado maculável, passeia despudorada nas redes sociais, em comércio carnal de desconsolo. Após ter desatado seu vínculo matrimonial, perdeu o sentido instintivo do recato, do decoro e escancarou a honra a andar no cio - suas pernas pétreas capazes de desestabilizar um Santo, passaram a ser expostas nas citadas redes, como iscas aos incautos: vendo-as, vence o pecado, o pensamento fica totalmente alucinado; seu sorriso tem a missão de hipnotizar os pretendentes na dissolução de costumes, espancando princípios basilares com o fito de excitar apetites venéreos. E desandou na ingratidão, esquecendo-se do preceito bíblico - seja grato pelas pequenas coisas recebidas, e estará apto às grandes. Sexo por estômago. 


Ele, de tradicional família Paulista, considera todo esse imbróglio lastimoso, muito além do seu preceituário - quem sabe o que planta, não tem medo da colheita. Isso porque ela, apoiada em frágil caniço profissional e com o inferno no coração, vive a dessatisfação de, para trabalhar, ter que ser dadivosa e fazer comércio de si mesma com dirigentes partidários, prefeitos, vereadores e até cabos eleitorais como uma vadia, pelas vielas lúgubres da prostituição requintada.


Trata-se de um axioma - nenhuma mulher pode ser séria e não ser ao mesmo tempo. Daí a realidade a martelar-lhe o juízo - quanta delinquência e ela ainda roubou-lhe o coração. A  ordália de aflições que lhe mordem a alma, lhe resulta em uma crise de angústias dessatisfatória, posto ser ele tido e havido um legítimo Campos Vergueiro, paradigma na alta sociedade paulistana. Saber da sua laia, do seu despudor, para ele, descendente de tão nobres ancestrais, é angustiador. Em conexão  com sua alma, o maior receio é o de que ela tenha de esgotar o cálice da amargura até as fezes, com os amargos de boca sofridos como se vivesse em um rendez-vous. Malfadado o seu caráter - para falar mal dele, lhe sobra língua  - os dois inocente que ficaram sob a sua guarda  correm o risco do desabrigo e não merecem esse painel de horrores numa vida de bordel. É dissaboroso ter que admitir o fado padecedor de vê-la, tal Lovelace, lançar-se na devassidão à cata do vil metal da mercância  sigilosa de favores - a maior, a mais vergonhosa, a mais abjeta - em sofisticado mercado amoroso fingindo pureza angelical; pedindo a morte como descanso a melancolizar o tempo em que além do marido, tinha somente ele como amante eventual.


Lhe vem à mente as palavras rituais integrantes do decálogo que lhe foi ministrado no Colégio Sion, em Higienópolis - "aqui se faz, aqui se paga", que tem como dogma. No passado, na impudicícia, ela rezava o seu breviário de cabo a rabo sem qualquer pejo, tendo lhe oferecido, por diversas vezes, fogosa, o pudor do seu ventre nu, entorpecendo-lhe o espírito. Na atualidade, entretanto, por ter ele poucas moedas na algibeira e muitos anos nas costas, lhe o nega. Lamentável. "Só na solidão somos a nossa verdade".*

*Antoine de Saint-Exupéry.


Paulo de Tarso Mendes de Souza, Doutor em Ciências Jurídicas e  Sociais, escritor, poeta, é  membro da Academia Parnaibana de Letras, ocupa a Cadeira nº 38 que tem como patrono Antônio José de Souza.

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