| Arte: Miro Oliveira |
Trabalho do meu amigo Miro Oliveira, o maior artista plástico do mundo, morador da Praia da Barra, em Tutoia MA, onde Deus faz a morada, para a capa do livro "Tutoia - Governantes de 1930 a 2024", de minha autoria, em parceria com Elivaldo Ramos, Rita Merequeta e Verônica Damasceno, a ser lançado em breve.
Havia, no corrimão da Prefeitura de Tutoia, uma serpente, que foi decapitada na segunda administração do prefeito Egídio Francisco Conceição Júnior (01.01.1997 a 01.01.2005). A cabeça da mesma era um belíssimo trabalho do mestre Francisco Moraes, com dois olhos de rubis e um olhar de mais de meio século direcionado para a Praça Getúlio Vargas, centro da cidade. Até os dias atuais sem se ter notícia de quem foi o autor da decapitação. Dizem que a serpente se encantou e habita as árvores da Praça. À noite, vira uma linda donzela para namorar os jovens que por ali passam.
A professora Verônica Damasceno, secretaria da Cultura de Tutóia, escreveu belíssima crônica a respeito, sob o título: "A Dona do Pedaço". Leiamos:
“Em um dos meus trabalhos de Contação de Histórias, eu faço a contação de Chapeuzinho Amarelo, livro infantil do Chico Buarque. Fala sobre medo. Uma menina amarelada de medo que, no decorrer do conto, acaba por vencer todos os medos! Pois bem, eu também já amarelei muito de medo e toda vez que conto Chapeuzinho Amarelo, lembro de mim menina... Medo de subir em árvores, medo de morrer, medo de falar, medo das pessoas, medo de pesadelo, medo de filme de terror, medo de borboletas e de pássaros... (Estes três últimos ainda trago comigo).
Não lembro a data exata, mas foi em meados de 1990, eu bem pequena... Meus primeiros anos de estudo no Colégio “Almeida Galhardo - 1º e 2º Graus”... Esta era a época. Foi a Primeira vez que vi a Serpente da escadaria da Prefeitura. Meu Deus, que coisa horrenda... Olhos vermelhos, que me olhavam como se quisessem me hipnotizar... Em mim, um misto de aflição e desespero, um tremor e uma vontade de me mandar dali correndo! Travei. Minha mãe, precisava resolver coisas do trabalho e, para tal, tinha que subir a grande escada. Segurando minha mão, mamãe tentou avançar o primeiro degrau. Travei. A serpente não tirava os olhos de mim; tentei fazer uma tímida manobra com a cabeça, pensando: “Se os olhos me seguirem no movimento, ela é real”. Para mim que eles se mexeram, e até parece que ela sorria, sei lá. Era um sorriso debochado.
Minha respiração ofegante e os olhos aflitos, minhas pernas nem se mexiam. Isto tudo num segundo em que minha mãe tentou subir o primeiro degrau... Olhei aquela escada, tão íngreme e longa... Se ao menos a serpente fosse menor...Mas ela estava “grudada” no corrimão inteiro e parecia que ia deslizar dali , devagar, e sair desfilando pela praça, a dona do pedaço. Foi a primeira vez que senti pavor de um bicho que não tinha asas... Se ela tivesse, eu teria morrido, certamente! Quis chorar. Avançamos o primeiro degrau. Segurei a minha lancheirinha, aflita. O coração tocava um pagode àquelas alturas do campeonato. Mamãe, como boa pedagoga formada pela vida, abaixou-se e disse: Não é de verdade, minha filha! Mas ali, naquele momento, esta afirmativa pouco importava; o medo já tinha tomado conta de todo o universo do meu corpo e da minha cabeça. E, para mim, que ela ia sair dali e me engolir. Avançamos mais um degrau. Alguém ao lado, pega na minha cabeça e ironiza: É só uma cobrinha, o máximo que vai fazer é te morder. E ri; aí não aguentei. Abri o berreiro. Minha mãe, que estava quase conseguindo me fazer subir com ela, pegou minha mão, de súbito, e nós descemos de volta os degraus conquistados. Era como se eu tivesse conseguido sair de um trem-fantasma, que eu só via na TV, e mergulhasse num banho de mar, bem morninho...
Saímos da prefeitura, minha mãe reclamando de que agora seria difícil resolver o problema dela. Andamos rápido. Atravessamos a rua até a Praça Getúlio Vargas e eu, a todo instante, querendo dar uma olhadinha para trás, para dar aquela conferida de que ela, a serpente, não tinha vindo atrás de mim. Porque, para mim, que antes não, ela não se interessaria em me assustar, mesmo porque eu nunca nem a tinha visto; mas agora, agora era certeza: Ela ia me perseguir, porque agora ela já sabia que eu tinha medo... E, durante muitos dias, ela me assombrou, me rondou os sonhos; os olhos vermelhos apareciam na escuridão do meu fechar de olhos e meu mundo de menina trazia este lado sombrio... Dizem que quando a retiraram de lá, ela criou vida e passou a habitar uma árvore da praça e fica por lá, observando atenta com seus olhos de rubi... Dizem ainda que quando chega sexta feira, pela madrugada, os olhos crepitam como chamas, e que se transforma numa mulher, que já encantou muita gente... Nas noites, pelo cais...
Eu sempre atravesso pelo outro lado da praça, quando passo por lá... Vai que ela se lembre de mim..."
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