sábado, 23 de fevereiro de 2019

SHORT STORIES

- um morto muito vivo –
Antonio Gallas
 José Branco era um garçom do Bar e Restaurante “Cabana” um dos pioneiros da avenida Beira Rio, hoje avenida Nações Unidas.
Cabana fora fundado pela senhora Julisa no final da década de 1960 e tinha por especialidade fornecer o caranguejo-uçá (o caranguejo da nossa região) graúdo e da melhor qualidade.  O próprio cliente escolhia os caranguejos que queria degustar. Quebrado (toc-toc), feito torta ou ensopado. Julisa, se não me falha a memória, era esposa do empresário Evandro Madeira.
José Branco, atendia a todos com presteza, o que o tornou bastante popular entre os frequentadores do referido bar e restaurante.  De baixa estatura, meio gordo, gostava de usar um chapéu com abas largas. Era assíduo ao trabalho e só faltava quando no mês de outubro viajava  para a cidade cearense de Canindé a fim de pagar uma promessa feita a São Francisco, do qual era devoto, e tinha alcançado  graça pedida do milagroso santo de Assis. E foi numa dessas viagens que o Zé Branco, como assim o chamávamos, morreu!
Naquela época, não tínhamos os confortáveis ônibus da empresa Guanabara, Yvonetur ou outros, sendo que a vigem era feita nos famosos caminhões “paus de arara”, muito comuns no nordeste brasileiro. Ainda hoje este transporte é utilizado por pessoas de baixa renda em cidades do interior do Maranhão, Piauí e Ceará, que não possuem estradas pavimentadas, infelizmente.  


Os paus de arara são caminhões ou camionetas do tipo Toyota que sobre suas carrocerias são colocadas tábuas para assento dos passageiros e uma cobertura de lona ou  de plástico bastante espesso, para proteger as pessoas do sol ou da chuva.
A viagem era, até certo ponto divertida. Durante o percurso os passageiros chamados de romeiros faziam preces, rezavam padre nossos, ave Marias e entoavam hinos religiosos dentre os quais a famosa Oração de São Francisco: “Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz...”
                E foi numa dessas viagens, repito, que o Zé Branco, morreu!
Após cumprir suas obrigações religiosas na Basílica de São Francisco, e como ninguém é de ferro, nosso amigo garçom resolveu espairecer e aproveitar um pouco do que aquela cidade localizada no sertão central do Ceará poderia lhe oferecer.
Sentou-se à mesa de um dos inúmeros bares estabelecidos nas cercanias da igreja e pediu ao garçom uma Brahma bem geladinha que seria para matar a sede e amenizar o calor.   Pediu também uma “branquinha” da terra,  para ir dosando com a cerveja.

Hora de retornar a Parnaíba o Zé Branco não apareceu. O condutor do pau de arara não esperou e nem foi procura-lo. ´
Até hoje não se sabe se o Zé Branco de “cara cheia” caiu no sono ou se arranjou algum “rabo de saia” (ou será rabo-de saia?)  que o fez perder o transporte que o traria de volta à Parnaíba. O certo é que ele não veio nessa viagem e o caminhão, ao chegar na guarita, numa curva, tombou e algumas pessoas morreram.
Não havia nessa época Instituto Médico Legal em Parnaíba, todavia familiares dos mortos identificaram seus defuntos e procederam ao sepultamento. Entre os mortos, a família identificou um como sendo o Zé Branco.
Três dias após seu sepultamento, na hora do terço, ele aparece na sua residência, na Rua Caramuru nas proximidades da Praça do Ipase. Ao presenciar  aquele espetáculo, as mulheres rezando o terço, velas acesas,  imagens de santos sobre uma mesa, exclamou: - Oxente! Tão rezando terço pra quem?
Foi um corre-corre danado!  Apavoradas as mulheres adentraram casa a dentre rumo ao quintal e ele sorrindo dizia: - voltem aqui! Voltem aqui! Eu tou vivo... eu tou vivo.
Até hoje não se sabe quem foi enterrado no lugar dele, mas se naquela época tivesse o recurso do celular e do whatsapp isso não teria acontecido pois certamente ele teria avisado à família que tinha perdido o transporte. Ou talvez não, quem sabe...

Canindé possui o maior monumento sacro do mundo. A Estátua de São Francisco das Chagas, inaugurada solenemente no dia 04 de outubro de 2005, tem altura  superior a 30 metros de altura.


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