Conto de José Luiz de Carvalho *
No alto de um cerro em pleno mês de outubro do ano de 1715, um índio observava o imenso prado repleto da vegetação rasa de mata amarronzada. As carnaubeiras, muitas faveiros e os raros cajueiros eram os poucos pontos verdes naquela imensidão do vale da Serra do Morcego, hoje pertencente ao município de Caxingó.
O vigia desce aos gritos chamando:
– Mandu, Mandu, Mandu, homens em cavalos se aproximando pelo nascente. São muitos!
O grito da sentinela despertou a tribo da costumeira sesta daquelas tardes quentes.
Há muitos anos Mandu Ladino e os seus guerreiros utilizavam como morada as várias cavernas daquela serra. Ali em meio aos fantasmas dos seus ancestrais, junto às mensagens cravadas nas paredes deixadas pelos primeiros habitantes daquela terra, sentia-se protegido pelos deuses.
O cacique Mandu juntamente com o pajé Bazur costumavam passar várias horas do dia procurando interpretar aquelas inscrições rupestres contidas naqueles enormes paredões de pedra. O grupo de rebeldes estava ali há vários anos desde quando iniciou a rebelião contra a escravidão e atrocidades promovidas pelos brancos. Pelo menos 300 homens e mulheres moravam ali. Era um lugar mais seguro. Além das cavernas havia água em abundância em um córrego que nascia de um olho d’água.
Os brancos sabiam da localização dos rebeldes, porém não tinham coragem de se aventurarem porque sabiam que a derrota era certa. Era considerado aquele acampamento um lugar inacessível devido aos obstáculos naturais e a subida da serra era íngreme também pela forte resistência dos índios.
Do seu forte natural ele poderia sair para atacar e retornar. O líder guerreiro tinha influência e respeito em outras tribos daquela região e eles sempre os convocavam para as grandes batalhas. Mas geralmente agia mesmo com o seu grupo de aproximadamente 100 homens armados de arco e flechas, lanças e armas de fogo. Andavam sempre montados em cavalos.
Bernardo Carvalho, o mestre de Campo faz sinal de parada para os seus homens. Estavam cansados viajando já há dias desde quando deixaram o povoado do Surubim. Um homem experiente sabia que um confronto naquele momento seria a certeza de uma derrota.
Mandu, naquele momento pensou em fazer um ataque surpresa e decidir logo aquela batalha, aproveitando o cansaço dos inimigos, mas desistiu após ouvir os conselhos dos seus pares. Do alto dos cerros e nas cavernas estariam seguros.
Bernardo e seus mais de duzentos homens dormiram tranquilos. Não se ouvia nem o canto do bacurau. Eles tinham certeza que Mandu não sairia de suas trincheiras.
O velho fumando seu cachimbo relembra o curumim, Mandu, quando chegou em sua casa juntamente com a irmã, quando ficaram órfãos, após a destruição de sua aldeia. Bernardo nutria bons sentimentos em relação ao rebelde, porém na função de representante da Coroa Portuguesa tinha que cumprir a lei. Tudo o que queria era prendê-lo e levá-lo com vida para julgamento.
Antes dos primeiros raios de sol, todos já estavam de pé preparando as armas para o combate.
Bernardo grita aos seus homens:
– Vamos homens, é chegado o grande momento! Vamos destruir esses covardes assassinos!
Nesse momento mais de duzentos cavaleiros levantam os seus rifles e partem para a íngreme subida para o topo da serra através de uma vereda, entre os rochedos e os mocosais.
Mandu determinou que os guerreiros montados em cavalos descessem a serra para oferecer o primeiro combate, protegendo a aldeia. Ainda estava meio escuro e já a madrugada era rompida pelas balas e flechas em chamas em meio a gritos de fúria e dor. Dezenas de combatentes tombaram por terra. Alguns mortos e outros feridos. O cheiro de sangue e de pólvora exalava do ar.
Os brancos conseguiram passar pelos primeiros guerreiros e se aproximam das cavernas. Nesse momento o combate tornou-se mais intenso com muito derramamento de sangue. Em meio aos gritos de fúria e de dor, era um verdadeiro inferno sobre a terra.
Após várias horas de intensa e brutal batalha, os legalistas começam a descer a serra. Bernardo aos gritos determina aos seus homens que fujam e desordenadamente os homens batem em retirada, cada qual para o seu lado. Assim estava frustrada a conquista da aldeia da Serra.
Mandu ordenou aos guerreiros:
– Parem de atirar, guardem nossas munições. Usem somente as fechas. Mantenham firme na perseguição!
O sol já ia alto quando finalmente terminou a batalha. Cansados, os índios só foram contar os mortos após o meio-dia.
Velhos, mulheres e crianças choraram os mortos que somaram 41, em sua maioria jovens guerreiros. E entre soldados e voluntários os mortos eram incontáveis, passando muito de uma centena. Ladino mandou recolher os seus mortos para a cerimônia fúnebre, conforme a tradição indígena. No finalzinho da tarde e antes que apodrecessem, mandou reunir os corpos dos inimigos e ordenou a queima em várias fogueiras juntamente com dezenas de cavalos que também haviam morrido naquele combate.
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