quinta-feira, 13 de maio de 2021

Mandu Ladino, mais que uma lenda!

 

Crédito Imagem para Moisés Rego

CRÔNICA

Por José Luiz de Carvalho* 

Ao contrário do cacique e pajé Nheçu que no vale do Ijuí, no Rio Grande do Sul, no início dos idos 1600, nunca aceitou a presença do homem branco em suas terras. Mandu Ladino, no vale Rio Longá, na região Norte do Piauí, teve uma vida tranquila até a idade adulta, morando em uma fazenda prospera, onde inicialmente foi escravo e depois virou homem de confiança do proprietário, exercendo as funções de vaqueiro.

 Na antiga terra de Nheçu, hoje a cidade de Roque Gonzáles, o escritor Nelson Hoffmann, em seu livro -  “Na história das Missões", apenas um único indígena levantou a sua voz, uniu o seu povo e enfrentou o homem branco invasor; não fez conluio com qualquer homem branco; não defendeu ideias que não fossem as de sua gente e só quis guardar o sagrado direito de permanecer na terra que sempre foi sua – a terra com as tradições que seu povo cultivava desde sempre.

O índio guarani, Nheçu, e o padre paraguaio, Roque Gonzáles de Santa Cruz, protagonizaram, nas terras sul-rio-grandenses, de forma irredutível, uma das mais vigorosas contendas da história das Missões Jesuíticas. Padre Roque, após fundar várias reduções no Paraguai, Uruguai e Argentina, recebeu a difícil missão de adentrar a região, onde é hoje o Estado do Rio Grande do Sul, exatamente nas terras de Nheçu. No dia 15 de agosto de 1628, padre Roque, com a ajuda do padre João Castilho, com a permissão de Nheçu, embora com restrições, fundaram a Redução de Assunção a qual durou apenas três meses. Durante o processo de catequese, as imposições dos padres não se coadunavam com as vivências indígenas. Nheçu resolveu cortar o mal pela raiz: ordenou a morte dos padres. Assim, entre os dias 15 e 17 de novembro daquele mesmo ano, com exagerada crueldade, em Caaro, foram mortos o padre Roque Gonzáles, Afonso Rodrigues e no dia 17, em Assunção do Ijuí, o padre João de Castilho os quais  tornaram- se os Mártires das Missões.

Naquela época, a reação dos brancos foi imediata e igualmente violenta. Em várias batalhas, mais de 200 índios foram mortos, inclusive os doze líderes da revolta, ficando apenas Nheçu que conseguiu fugir pelo Uruguai, a fim de que nunca mais fosse encontrado. A Terra de Nheçu, após a destruição de suas instalações e plantações e a consequente fuga dos índios sobreviventes, virou a “Terra de Ninguém”.

Quase um século depois, num outro extremo do Brasil, um índio rompe sua boa relação de convivência com os brancos. Por sua saga, Mandu jamais poderia ter vivido pacificamente com os homens brancos, pois, quando menino e muito pequeno, ao lado de sua irmã mais velha, assistiu à destruição de sua aldeia e a morte dos seus pais. Depois, eles foram levados pelos assassinos, para serem criados em fazenda na região de Campo Maior. O adolescente Manuel foi separado da sua irmã e levado para um aldeamento, no Cariri do Boqueirão, no interior da Capitania de Pernambuco, para estudar e ser cristianizado pelos religiosos da Ordem dos Capuchinhos.  Após uma rebelião, fugiu e retornou ao Piauí, onde desenvolveu um trabalho, conduzindo gado de Campo Maior para as indústrias de Charque da Parnaíba.  O motivo da revolta de Mandu Ladino foi o assassinato da sua irmã pelo Capitão Mor Souto Maior, por causas de ciúmes, uma vez que ele havia se apaixonado pela índia que  tinha um namorado, um homem branco e por essa razão, não havia correspondido às invertidas do “nobre capitão”.  Mandu juntou um pequeno grupo de índios e matou Souto Maior e todo o seu contingente policial,  depois fugindo para os   “Morros Azuis”, onde arregimentou um grande grupo de índios de várias tribos, de onde descia para saquear as fazendas, levando víveres, animais e armas.  Segundo alguns historiadores, o Cacique Mandu Ladino teria formado um verdadeiro exército, composto de milhares de índios, cuja atuação e movimento rebeldes  estenderam-se pelos sertões do Piauí e Maranhão, alcançando o  Ceará e que, sob o seu comando, muitos portugueses morreram e muitas fazendas foram arrasadas nessa grande região em três estados.

Diferentemente de Nheçu que combateu os brancos por razoes ideológicas religiosas,  Mandu combateu os brancos com sentimento de vingança de ordem pessoal. Na verdade, tornou-se um renegado e perseguido após ter matado Souto Maior.  Embora alguns estudiosos da história registrem que a sua luta teve também objetivo revolucionário, Mandu Ladino teria sonhado com a construção de uma grande nação indígena, em terras do Piaui. Na verdade, ele cometeu muitas atrocidades contra as pessoas, nas fazendas as quais invadiu com seu grupo de renegados, devolvendo na mesma proporção a violência praticada pelo homem branco nas invasões das aldeias indígenas. No período de 1712 a 1719, por quase  de 7  anos, durou uma  longa guerra entre fazendeiros  e índios, tendo terminado, somente, com a morte de Mandu Ladino que, após ser baleado, afogou-se, no rio Igaraçu, nas proximidades de Villa de Nossa Senhora de Montserrat da Parnaíba e com a prisão dos seus principais líderes rebeldes, diante das forças,   chefiadas por Francisco Cavalcante de Albuquerque e com a ajuda do Mestre-de-Campo da capitania do Piauí, Bernardo de Carvalho Aguiar.

Hoje, diante da falta de documentos históricos comprobatórios e à guisa da imaginação dos romancistas, contistas e poetas, Mandu Ladino, a cada publicação feita, distancia-se do homem índio, nascido na região de Alto Longá, que morou em Campo Maior e morreu na Parnaíba, virando apenas uma lenda cheia de glamour e de heroísmo, uma fascinante narrativa de ficção literária!

 José  Luiz de Carvalho* Jornalista, poeta, cronista e contista, presidente da Academia Parnaibana de Letras e membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba

OBS:  Obra de ficção literária

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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