Crédito Imagem para Moisés Rego
CRÔNICA
Por José Luiz de Carvalho*
Ao contrário do cacique e pajé Nheçu
que no vale do Ijuí, no Rio Grande do Sul, no início dos idos 1600, nunca
aceitou a presença do homem branco em suas terras. Mandu Ladino, no vale Rio
Longá, na região Norte do Piauí, teve uma vida tranquila até a idade adulta,
morando em uma fazenda prospera, onde inicialmente foi escravo e depois virou
homem de confiança do proprietário, exercendo as funções de vaqueiro.
Na antiga terra de Nheçu, hoje a cidade de
Roque Gonzáles, o escritor Nelson Hoffmann, em seu livro - “Na história das Missões", apenas um
único indígena levantou a sua voz, uniu o seu povo e enfrentou o homem branco
invasor; não fez conluio com qualquer homem branco; não defendeu ideias que não
fossem as de sua gente e só quis guardar o sagrado direito de permanecer na
terra que sempre foi sua – a terra com as tradições que seu povo cultivava
desde sempre.
O índio guarani, Nheçu, e o padre
paraguaio, Roque Gonzáles de Santa Cruz, protagonizaram, nas terras
sul-rio-grandenses, de forma irredutível, uma das mais vigorosas contendas da
história das Missões Jesuíticas. Padre Roque, após fundar várias reduções no
Paraguai, Uruguai e Argentina, recebeu a difícil missão de adentrar a região,
onde é hoje o Estado do Rio Grande do Sul, exatamente nas terras de Nheçu. No
dia 15 de agosto de 1628, padre Roque, com a ajuda do padre João Castilho, com
a permissão de Nheçu, embora com restrições, fundaram a Redução de Assunção a qual
durou apenas três meses. Durante o processo de catequese, as imposições dos
padres não se coadunavam com as vivências indígenas. Nheçu resolveu cortar o
mal pela raiz: ordenou a morte dos padres. Assim, entre os dias 15 e 17 de
novembro daquele mesmo ano, com exagerada crueldade, em Caaro, foram mortos o
padre Roque Gonzáles, Afonso Rodrigues e no dia 17, em Assunção do Ijuí, o
padre João de Castilho os quais
tornaram- se os Mártires das Missões.
Naquela época, a reação dos brancos
foi imediata e igualmente violenta. Em várias batalhas, mais de 200 índios
foram mortos, inclusive os doze líderes da revolta, ficando apenas Nheçu que
conseguiu fugir pelo Uruguai, a fim de que nunca mais fosse encontrado. A Terra
de Nheçu, após a destruição de suas instalações e plantações e a consequente
fuga dos índios sobreviventes, virou a “Terra de Ninguém”.
Quase um século depois, num outro
extremo do Brasil, um índio rompe sua boa relação de convivência com os
brancos. Por sua saga, Mandu jamais poderia ter vivido pacificamente com os
homens brancos, pois, quando menino e muito pequeno, ao lado de sua irmã mais
velha, assistiu à destruição de sua aldeia e a morte dos seus pais. Depois,
eles foram levados pelos assassinos, para serem criados em fazenda na região de
Campo Maior. O adolescente Manuel foi separado da sua irmã e levado para um
aldeamento, no
Cariri do Boqueirão, no interior da Capitania de Pernambuco, para estudar e ser
cristianizado pelos religiosos da Ordem dos Capuchinhos. Após uma rebelião, fugiu e retornou ao Piauí,
onde desenvolveu um trabalho, conduzindo gado de Campo Maior para as indústrias
de Charque da Parnaíba. O motivo da
revolta de Mandu Ladino foi o assassinato da sua irmã pelo Capitão Mor Souto
Maior, por causas de ciúmes, uma vez que ele havia se apaixonado pela índia
que tinha um namorado, um homem branco e
por essa razão, não havia correspondido às invertidas do “nobre capitão”. Mandu juntou um pequeno grupo de índios e
matou Souto Maior e todo o seu contingente policial, depois fugindo para os “Morros Azuis”, onde arregimentou um grande
grupo de índios de várias tribos, de onde descia para saquear as fazendas,
levando víveres, animais e armas.
Segundo alguns historiadores, o Cacique Mandu Ladino teria formado um
verdadeiro exército, composto de milhares de índios, cuja atuação e movimento
rebeldes estenderam-se pelos sertões do Piauí e
Maranhão, alcançando o Ceará e que,
sob o seu comando, muitos portugueses morreram e muitas fazendas foram
arrasadas nessa grande região em três estados.
Diferentemente de Nheçu que combateu
os brancos por razoes ideológicas religiosas, Mandu combateu os brancos com sentimento de
vingança de ordem pessoal. Na verdade, tornou-se um renegado e perseguido após
ter matado Souto Maior. Embora alguns
estudiosos da história registrem que a sua luta teve também objetivo
revolucionário, Mandu Ladino teria sonhado com a construção de uma grande nação
indígena, em terras do Piaui. Na verdade, ele cometeu muitas atrocidades contra
as pessoas, nas fazendas as quais invadiu com seu grupo de renegados,
devolvendo na mesma proporção a violência praticada pelo homem branco nas
invasões das aldeias indígenas. No período de 1712 a 1719, por quase de 7 anos, durou uma longa guerra entre fazendeiros e índios, tendo terminado, somente, com a
morte de Mandu Ladino que, após ser baleado, afogou-se, no rio Igaraçu, nas
proximidades de Villa de Nossa Senhora de Montserrat da Parnaíba e com a prisão
dos seus principais líderes rebeldes, diante das forças, chefiadas por Francisco
Cavalcante de Albuquerque e com a ajuda do
Mestre-de-Campo da capitania do Piauí, Bernardo de
Carvalho Aguiar.
Hoje, diante da falta de documentos históricos comprobatórios e à guisa da imaginação dos romancistas, contistas e poetas, Mandu Ladino, a cada publicação feita, distancia-se do homem índio, nascido na região de Alto Longá, que morou em Campo Maior e morreu na Parnaíba, virando apenas uma lenda cheia de glamour e de heroísmo, uma fascinante narrativa de ficção literária!
José Luiz de Carvalho* Jornalista, poeta, cronista e contista, presidente da Academia Parnaibana de Letras e membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba.
OBS: Obra de ficção literária
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