Meu Governador, que essa o encontre bem, assim como à sua família.
Permita-me relatar um estado de choque seguido de apertos no coração.
O choque se deu ao conhecer um parnaibano de 19 anos, classe média, com pendor refinado para artes visuais, porém sem conhecimentos básicos sobre sociedade, história, literatura, sua cidade, seu povo, o mundo em que vive, enfim, despreparado para o exercício da cidadania e para o pleno desenvolvimento de seu pendor.
Empolgado com as imagens da velha Parnaíba, o jovem ignorava tratar-se de patrimônio histórico nacional tombado. Desconhecia as referências da cultura brasileira. Palavras triviais como filantropia, antropologia, patriarcalismo, romantismo, barroco, ambientalismo não integravam seu léxico.
Este é o terceiro caso de talentos notáveis e desassistidos do poder público que encontro por aqui.
O primeiro, com 17 anos, da Ilha de Santa Isabel, viu-se diante de um piano acústico pela primeira vez na vida e, de repente, reproduziu harmonias de Tom Jobim; em quatro meses, estava encarando o Noturno em mi bemol de Chopin.
O segundo, um jovem com transtorno de espectro autista, em dois meses fez-me lembrar Hércules Gomes tocando Ernesto Nazareth: incrível sua destreza.
Como tantos dessa faixa etária, esses jovens tendem a aceitar placidamente o destino imposto pelos que mandam: não verbalizam insatisfações, não sonham com uma sociedade melhor, apenas administram estratégias de sobrevivência. São talentos sem arrimo.
Acostumei-me a receber na universidade alunos sem conhecimentos elementares, mas quando isso ocorre com jovens excepcionalmente dotados me dá raiva.
Acostumei-me, também, a conviver com doutores pedantes e vazios, jejunos de humanismo, incapazes de pensar fora da caixa anglo-saxã que nos açoita desde que começamos a nascer como sociedade. Isso é entristecedor.
Daí eu não estranhar a negação da ciência e da cultura que lastreou os choques cognitivos urdidos pela extrema direita golpista e as reações contra a vacina na epidemia do Covid-19.
A falta de ensino de qualidade compromete desde sempre nosso país, sabemos disso Governador. Natural, portanto, minha curiosidade sobre suas intenções quanto à oferta de ensino de tempo integral às nossas crianças e adolescentes.
Pensei: pode ser um cavalo de pau na sina que nos foi imposta. Uma boa escola pública sustaria a perversidade da comercialização do ensino, que enseja o aprendizado para competir em vista da integração na casta dirigente rica, empertigada, tacanha e egoísta. Romperá a tradição excludente e segregadora do ensino oferecido até hoje.
Pensei ainda: chegou a vez das parcerias entre o governo e as universidades! Impossível oferecer boa educação sem a cooperação do ensino superior. Essas parcerias indispensáveis fariam o acadêmico sair da redoma e entronizar o senso de responsabilidade social. A extensão universitária cresceria de um jeito que nunca se viu.
Mas meu coração apertou-se com o anúncio de que o governo piauiense seguiria o exemplo do governador Ratinho, do Paraná, um retrógrado. Inspirado na esperteza de governantes cearenses, esse senhor pretende melhor classificação no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) para alardear falsos triunfos.
Esse índice é manipulável e limitado. Mal esclarece se o aluno aprendeu matemática e português. Nada revela sobre sua percepção da sociedade. Não mostra a capacidade de inserção social do aluno. Indica quantas crianças são alfabetizadas na “idade certa”, sem levar em conta que a escola pode estar formando parvos.
O anúncio da parceria com o especulador financeiro Lemann, empenhado em não sair da lista dos mais ricos do mundo, foi desanimador. Esse sujeito trama contra nossa democracia e estimula o fascismo. Operou na deposição de Dilma e ajudou o destrutivo Bolsonaro.
Que desassossego, Governador!
A orientação governamental para a educação precisa contemplar novos paradigmas. Chame meus colegas das universidades públicas do Piauí! Chame os que lidam diretamente com nossos jovens no chão da escola! Eles contribuirão mais para um projeto educacional do que uma autoridade reacionária do Paraná e um banqueiro insaciável!
Fique com minha saudação amigável e respeitosa.
Parnaíba, 29 de março de 2024
Manuel Domingos Neto
NOTA DO BLOG:
Manoel Domingos Neto, fundador do Gabinete de Leitura, é membro da Academia Parnaibana de Letras, professor universitário, doutor em História, cientista político, tem várias obras publicadas entre as quais O Militar e a Civilização (2006).
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