Ecos de um tapa
Por Altevir Esteves
Num evento de luxo, tradicional, no seio artístico do cinema internacional, reunindo presencialmente a nata das personalidades ligadas ao assunto e pela mídia os milhões de interessados e aficionados, uma personalidade premiada agride um outro em pleno palco, o constrangimento é sem precedentes. A vítima, sem nada entender, arregala seus olhos e procura no público a resposta para a cena inimaginada. O agressor volta à sua cadeira, exibindo o terno elegante, passos firmes e o coração satisfeito do “dever cumprido”, fazendo a justiça imediata que todos sonham. Cena final?
Não. É o início de um novo filme que ainda não tem roteiro escrito, não foram selecionados todos os atores e não se sabe como vai ser o desfecho. O ensino, todavia, já temos.
O tapa que se dá na cara de alguém não dura mais que um segundo e na maioria das vezes não deixa um arranhão, nem hematomas, nem uma sequela física. Dependendo do agredido, não deixa nem marca na alma, não passa de um gesto tresloucado como um tropeção involuntário num corredor estreito. Para o agressor, o momento ecoa por tempo indeterminado, com sofrimento, renúncias, perdas, modificações, construção ou destruição de valores dentro de si mesmo.
Quantas turbulências ocorrem em um ser humano que pretende chegar a algum lugar, trabalha para isso, mostra ao mundo uma direção, um modo de ser e, de repente, age justamente ao contrário! Quão doloroso é o sentimento de trair, de agir grosseiramente quando prega a paz, ser truculento quando mostra-se urbano, elegante e harmonioso! Quantos sonhos ficam de lado, quanto tempo é perdido em reconstrução de uma vida antes projetada para rumos nobres, vencedores, exemplares!
O ruído da agressão reverbera incontavelmente em ondas que vão e vêm, arrastando sentimentos culposos, feridas já fechadas que são reabertas, círculos amigáveis que se desfazem, fazendo com que títulos e estatuetas de vitórias não enfeitam mais as estantes da sala, mas causam mais dores e suas presenças no ambiente já não têm mais sentido. São peças impróprias, não mais lhe representam.
A razão é a norma, a emoção é a exceção. Esta passa, a razão fica. O revide ao que vem contra nós não passa de artilharia contra nossos próprios pés, que repicam no espírito e nele estaciona, criando novos males, sejam físicos ou psicológicos, psiquiátricos, espirituais. A ira, a mágoa instantânea transforma-se em uma chaga de demorada cura e esta passa pela reconstrução do tempo divino que estava em construção no nosso interior. Enquanto isso o tapa ecoa e seus ecos não têm as cores de telas de cinema, mas do amargor recôndito do homem.
Altevir Esteves (*) funcionário aposentado do Banco do Brasil, escritor, poeta, maratonista e membro da Academia Parnaibana de Letras - Cadeira nº 14.

Hoje todos falam o que querem para aparecer, sem mostrar constrangimento. O que se fala deve se ponderado e não servir de piada usando problemas dos outros, é de se esperar o retorno, independente de qualquer ato. É claro que os dois são da mesma cor, senão a mídia iria explorar muito mais se fossem de cores diferentes.
ResponderExcluirRealmente a violência não se justifica mas se pondo no lugar do agressor vê sua esposa sendo alvo de piadas de mal gosto por conta de sua doença passando constrangimento diante de um dos maiores eventos internacionais... olha nessas horas a razão passa longe, melhor seria se ele tivesse dado o braço a sua esposa e no mesmo momento tivesse se retirado do evento, aí queria ver alguém achar engraçado aquela piada, por sinal, de péssimo gosto e infeliz.
ResponderExcluirBelíssima reflexão, concordo amigo Altevir. Que possamos refletir cada vez mais, e não deixarmos que esse novo filme AINDA sem roteiro, atores e desfecho proporcione e favoreça o ensino e a perpetuação da escassez, do autocontrole, do diálogo e do bom senso.
ResponderExcluirTodos temos habilidades, competências e potencialidades, que as usemos para o que traga bem estar psicológico a todos e todas nós. Grande abraço!