sábado, 18 de setembro de 2021

CONTO DO MÊS

 Os Meninos que Roubavam coco Babaçu






Por Pádua Marques (*)

 De longe, do canto do muro que dava vindo dos Campos, se via naquele Domingo, de longe caminhando pela plataforma o vigia João Batista dos Santos, o João da Belamina, ao lado de seu cachorro Leão e os quatro meninos encostados no muro, prontos pra pular a grade e depois alcançar os vagões carregados de coco babaçu que seriam depois descarregados e levados em caminhão pra firma dos Moraes, na Coroa. Quando o guarda sumiu da vista eles pularam quase que de uma vez. Na frente e abrindo caminho ia Pepeu, o mais velho, seguido de Tiãozinho, Neco e Caçulo.

Eles chegaram cedo à esplanada da estação e ficaram atrás do muro de seu Zé Mendonça esperando a hora certa de atingir a calçada num momento em que Leão não estivesse por perto. Caçulo, irmão de Pepeu, por ser o menor, ficou decidido que seria o alarme dos outros, em caso de João da Belamina, naquele jeito de caminhar lento e olhando pra os lados, com o quepe ajustado à cabeça, de gravata e batendo com os dedos no cassetete, estivesse voltando da ronda até a entrada do portão de saída dos trens indo pra Amarração.

Pepeu, de nome Pompeu e Caçulo, o José de Jesus, eram filhos de um alfaiate dos Campos, conhecido por Queixada. Os dois meninos viviam pra cima e pra baixo em toda a Parnaíba dando definição de tudo o que acontecia e procurando confusão, já tendo sido ameaçados de serem levados pra Capitania dos Portos. O terceiro menino era Sebastião, o Tiãozinho, de quem pouco ou nada se sabia ter pai e mãe. E o quarto era Neco, Manoel pra mãe e o pai e os outros irmãos maiores, na Guarita. Esses quatro meninos eram os piores ladrões de cargas da estação de trens no Macacal.

Agora dentro da estação e entre os trilhos, a pouca distância da porta do vagão carregado de coco babaçu, Pepeu, Tiãozinho e Neco esperavam apenas o sinal de Caçulo pra ver se dava pra abrir e roubar a carga. Não esquecesse e não se perturbasse. Qualquer aperreio era pra assobiar e noutra situação atirasse com baladeira no rumo do trem ou no cachorro. Ali naquele vagão deveria ter muito coco. Decerto que pra usina de seu Zeca Correia, o homem mais rico da Parnaíba. Decerto que nem iria sentir falta se algum saco chegasse rasgado na Coroa.

João da Belamina era viúvo. Trazia no bolso da camisa uma fita preta, sinal de luto. E agora levava pra o serviço o cachorro Leão. O companheiro magro que comia os sobejos depois que o dono e vigia almoçava arroz, feijão, farofa, bucho de boi picadinho com abóbora ou quando muito, um pedaço de galinha criada em terreiro, feita com bastante caldo e que o filho trazia já por volta do meio do dia. Depois bebia água e em pouco o meninote ia embora pra casa. O cachorro não haveria pra servir muito, mas pelo menos fazia companhia e nalgum perigo podia latir alarmando se alguém tentasse se aproximar da estação.

 

Os quatro meninos, os piores meninos da Parnaíba, aqueles que nem o Miranda Osório deu jeito e que nem levando pra levarem puxada de orelha e carão do padre Roberto Lopes tinham tomado vergonha e caminho, estavam prontos pra mais um dia de roubo de carga. Se desse certo e saíssem com aquilo que vieram buscar no vagão de trem decerto que iriam depois atrás de vender nalguma quitanda nos Campos e com o apurado comprar cigarros, pirulitos de açúcar, coisas miúdas e o resto dariam em casa inventando que era pagamento de serviços na praça da matriz.

Os dois maiores já em cima da escada empurraram a porta do vagão de cargas. Isso feito agora era encontrar sem muita claridade os sacos de coco babaçu. Achados, Pepeu correu a mão num canivete que trazia no cós do calção e deu um corte certeiro na estopa. As amêndoas foram caindo e se espalhando dentro do vagão e fora, entre os trilhos.  Os dois meninos de baixo se apressaram em pegar os sacos e colocarem tudo o que estava no chão. Tiãozinho encheu a boca com alguns pedaços quebrados de coco babaçu e ficou querendo achar graça com tudo aquilo.

Pepeu e Tiãozinho agora estavam tirando o que podiam tirar e tinham que ser rápidos. No vagão também tinha uma carga de sal grosso, sal da Belamina. Os dois ladrões falavam cochichando que tudo aquilo podia dar muito dinheiro, mas ficava pra outra vez! Vai que de repente João Belamina aparece e não dá tempo Caçulo alarmar? Leão sente o faro e vem avançar pra cima de todo mundo? Depois era guardar em lugar seguro, ali perto mesmo, entre as paredes de pedra perto da igreja dos Capuchinhos. Dava pra vender bem. Mais de vinte quilos de coco babaçu!

E lá estava João da Belamina, sentado num banco de madeira no pátio de embarque, Leão ali perto e ao longe os carnaubais com vista pra o Sossego, aquelas terras, aqueles capinzais sem fim.  Aquele domingo em que as horas nunca passavam e ele o vigia, longe de sua casa na Guarita, próximo da linha do trem. Mais em cima naquele mar de areia estava a igreja dos Capuchinhos e passando dela  e onde a vista alcançava, mais areia e algumas casas, umas aqui e outras ali. Pra baixo a cidade, suas ruas calçadas, as casas de comércio fechadas.  Um domingo triste como são tristes todos os domingos.

 

 (*) Pádua Marques é poeta, jornalista, escritor e membro da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Geográfico e Genealógico de Parnaíba-PI (IHGGP-PI).

 

 

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