terça-feira, 25 de maio de 2021

AMPLO DIREITO

 

A recusa de tomar vacina contra COVID-19 motiva a demissão do empregado?

Por Roberto Cajubá *

Certo dia eu conversava com um amigo sobre negacionismo, assunto que está muito em voga, nesta época de pandemia. Mesmo com o elevadíssimo número de mortes, muitos ainda insistem em desacreditar nas estatísticas da Covid-19, posicionando-se contra o isolamento social, o uso da máscara e até recusando-se a tomar vacina.

Em meio ao nosso diálogo, fui indagado se a recusa à vacina contra a COVID-19, por mero negacionismo, é ato faltoso grave que autoriza a demissão do empregado por justa causa. O tema é interessante, por isso resolvi trazê-lo para esta coluna, por tratar-se de um espaço criado para fomentar debates na área jurídica.

Sabe-se que as situações previstas na lei para configuração da justa causa são taxativas, ou seja, somente as hipóteses previstas nas alíneas do artigo 482 da CLT constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador.

Assim, a rigor, a pergunta seria se a recusa à vacina pelo empregado, por mero negacionismo, estaria enquadrada numa das hipóteses do artigo 482 da CLT. A princípio, num raciocínio apressado, poder-se-ia interpretar que a atitude omissiva do obreiro não teria nexo de causalidade com o trabalho por ele exercido. Seria, portanto, um mero exercício de seu direito individual, decorrente de sua descrença na ciência.

Porém, a discussão é mais profunda! Tomar vacina não é ato individual, de implicância apenas para quem é vacinado. É ato de solidariedade, tanto que a ideia é atingir uma alta cobertura vacinal, no Plano Nacional de Imunização, para que diminua o número de pessoas gravemente doentes e, consequentemente, tenham mais vagas para tratamento nos hospitais, o que implicará na redução do número de mortes.

Nossas convicções individuais não são verdades absolutas, nem poderão se sobrepor aos interesses da coletividade. O Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, ao proferir seu voto no julgamento do Agravo (ARE) 1267879, em que se discutia o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas, foi claro ao explicar que “embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais, não se revelando legítimas escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros”.

O art. 7°, inciso XXII, da CF/88 assegura ao trabalhador o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, daí ser dever do empregador proporcionar condições de trabalho em ambiente sadio, inclusive exercendo o seu poder de gestão e fiscalização. Como a cada direito corresponde um dever,  o empregado, também, deve contribuir para esse desiderato.

Considere-se, ainda, que o STF suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP 927/2020, “permitindo, por consequência, a análise de eventual enquadramento da contaminação pela Covid-19, como doença ocupacional”.

O artigo 157, incisos I e II, da CLT estabelece que “cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho”, bem como “instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”.

Por sua vez, os incisos I e II do artigo 158 da CLT dispõem que “cabe aos empregados observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior” e “colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos” do Capítulo V, do Título II da CLT que trata da “Segurança e Medicina do Trabalho”.

O Ministério Público do Trabalho (MPT), no Guia Técnico Interno sobre vacinação da Covid-19, datado de 18.01.2020, ao analisar as “consequências lógicas que defluem da Tese de Repercussão Geral n. 1.103 do Supremo Tribunal Federal, das normas pertinentes à saúde pública, da legislação trabalhista e da inclusão da(s) vacina(s) contra a COVID-19 PNOVC/MS e no Plano Nacional de Imunização (PNI)”, considerou que “Persistindo a recusa injustificada, o trabalhador deverá ser afastado do ambiente de trabalho, sob pena de colocar em risco a imunização coletiva, e o empregador poderá aplicar sanções disciplinares, inclusive a despedida por justa causa, como ultima ratio, com fundamento no artigo 482, h, combinado com art. 158, II, parágrafo único, alínea “a”, pois deve-se observar o interesse público, já que o valor maior a ser tutelado é a proteção da coletividade”.

Por todos estes motivos, com base no artigo 482, ‘h’, da CLT, entendo que o empregador, no cumprimento do dever de proporcionar segurança no ambiente de trabalho, pode penalizar, e até demitir, o empregado que, por mero negacionismo, deixe de tomar vacina contra a COVID-19 ou de usar máscaras.

É certo que o ideal é a busca do diálogo para a devida compreensão por parte do empregado e, se for o caso, a gradação das penalidades, buscando-se a todo custo evitar a demissão por justa causa, tendo em vista as repercussões negativas que ela provoca, tanto do ponto de vista financeiro, como social. 





Roberto Cajubá* advogado, professor universitário, autor de vários livros sobre direito e membro da Academia Parnaibana de Letras -APAL, cadeira 15.

Fonte: Portal Costa Norte de 22/05/2021.

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