segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

CRÔNICA

 FELICIDADE: SUBSTANTIVO CONCRETO




Benedito Lima (*)

Chegamos ao fim da tarde, quase crepúsculo. Decidíramos visitá-la juntos — eu, Cajubá e Dorinha — para que a conversa fluísse amena.

Dona Francinete, minha primeira professora, mesmo sem ter sido avisada da visita, nos recebeu com carinho.

O passo firme — dados em nossa direção — contrastava com o corpo magro; a voz potente — ao nos saudar — contrastava com a idade; o sorriso — estampado nas meninas dos olhos — combinava com a alegria de nos ver.

— Que surpresa! - Falou.

Levamos pequenos mimos — uma forma de carinho. Ela os recebeu sem demonstrar emoção e nos pediu para sentar.

Demonstrando lucidez e memória fantástica — conduziu a conversa —, falou sobre tudo: o tétano que me acometeu ainda criança; a escola e os castigos a quem não fazia os deveres; o boi do Hélio Pancho que o acompanhou no cortejo até o cemitério e dançou antes do enterro, a liderança que ele exercia sobre as outras crianças do bairro e a falta que ele lhe faz.

Disse-me que o Pituca a havia visitado há poucos dias e lhe ofertado o meu livro “Experimentos Poéticos”, mas que o recusara por falta de dedicatória. Na despedida, prometi lhe trazer, no dia seguinte, às nove horas, o livro com a —reclamada — dedicatória.

Às nove em ponto, cheguei à sua casa. Ela me recebeu com um sorriso dizendo: — Gostei da pontualidade!

Conversamos menos de cinco minutos — nem entrei —, tempo suficiente para me emocionar com as suas palavras ao se despedir.

“Benedito Filho, eu lhe ensinei — no tempo em que você foi meu aluno — que felicidade é substantivo abstrato — depende de alguém para existir —, no entanto, penso que me equivoquei, estou convicta, agora, que felicidade é substantivo concreto. Desde ontem, quando vocês vieram me visitar, que a felicidade me envolve, me toca, me faz voltar ao passado, me faz sorrir. A felicidade não depende mais de mim para existir. É concreta, não se dissipa. Impregnou-se em tudo que me cerca, está em todos os lugares da casa. Portanto quando ela quiser voltar a ser abstrata, vou lhes telefonar e pedir para me visitarem: — Prefiro-a concreta.

 (*) Benedito Lima é poeta, escritor, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e membro da Academia Magalhense de Letras.

7 comentários:

  1. Excelente. Benezinho, como carinhosamente o trato me surpreendeu de felicidade concreta. É por estas e outras que seu blog é importante. Parabéns. Xikin Carvalho.

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  2. Maravilhoso!!! Vou visitar D Francinete.Não foi minha mas de meus sobrinhos e meu filho.Admiravel mestra.Sempre a encontro no mercado.Sua familia de Araioses onde passei muitas ferias e ela era amiga de minhas tias.Obrigada Benezinho e Xikim Carvalho

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  3. Não foi minha professora mas dos meus e eu concordava com seu método.

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