A REVOLTA DO TOURO
Por José Luis de Carvalho*
O escritor George Orwell, na primeira metade do século XX escreveu uma fábula denominada a Revolução dos Bichos, um dos livros mais lidos do mundo, com mais de 60 reimpressões. Tendo como cenário de inspiração a Inglaterra. Lá o protagonista, líder da revolta, era um porco varão reprodutor acompanhado por vários animais de uma pequena fazenda, na luta pela vida, buscando melhores condições para todos e contra a exploração humana. “Quatro pernas bom, duas pernas ruim”, esse era o slogan.
Ontem
dia 27 de outubro, com duas balas de fuzil automático na cabeça um jovem e belo
touro, em plena vitalidade, tomba por terra e morre no antigo Macacal depois de
ter corrido pelos bairros Ceará, Esperança e Campos. Em meio a postos de
combustíveis e modernos prédios comerciais e residências. A uma distância de
poucos metros de várias toneladas de milho do armazém da CONAB. Tudo registrado
pelas câmeras dos modernos smartphones de populares que se aglomeravam.
Ali
estavam reunidas várias corporações militares, inclusive a Força Tática, além
do Corpo de Bombeiros e ambulâncias do SAMU. Fato este que dividiu a opinião
pública e causou revolta aos ecologistas e defensores dos animais. Muitas
informações e questionamentos nos portais e nas redes sociais. E como sempre
nada conclusivo. Fato que logo será esquecido, como quase tudo atualmente.
O
touro Amazonas diferentemente do barrão Major, não comandou um pequeno exército
de bichos e nem tinha qualquer ideologia política. Revoltado apenas com a falta
da ração balanceada: feita a base de milho, acrescido de farelo de trigo, soja
e núcleo que era distribuída na pequena cocheira, onde ele vivia com mais umas
quatro vacas, uma dúzia de porcos e umas 40 galinhas caipiras.
Após
colocar os ouvidos na janela do quarto onde se preparava para dormir, o
proprietário daquele pequeno sítio, pegou uma parte da conversa da mulher
reclamando que os animais estavam sem comer milho há várias semanas, que o
capim estava muito seco e que os coitados passavam o tempo todos berrando ou
tentando fugir pelas cercas, que por sinal também estavam bem ruins, após as
chuvas do último período.
O
Amazonas não estava muito preocupado com essas coisas. Gostava mesmo era de
pular a cerca para “pegar” as novilhas da grande fazenda vizinha, até porque
também fazia uma “boquinha” na farta ração vitaminada que tinha lá. Gozava
desse privilégio que lhe garantia suas 15 arrobas de peso. Era um tipo alto, bonitão com
afiados e forte chifres, seu enorme cupim lhe dava uma postura majestosa,
reforçada pela sua pele de cor marrom, estampada com manchas mais escuras e outras
pretas.
Ouvindo
as reclamações da Branquinha, a vaca mais antiga daquela fazenda dizendo que já
não tinha mais saúde para aguentar aquele sofrimento, olhou para os seus
filhos, três bezerros magrinhos que as costelas pareciam se emendarem. Pensou nos
seus vizinhos: os porcos eram verdadeiras carcaças ambulantes e as galinhas, há
muito tempo não botavam ovos, e tinham as pernas finas e as “titelas secas”. No velho galo gigante negro do terreiro que
um belo dia resolveu arriscar-se e pulou para um matagal que existe no fundo da
propriedade e foi comido por um gato do mato, numa triste tarde. “Tenho que
agir”, pensou Amazonas.
Decidido,
resolveu atravessar a cidade, mesmo sozinho, e ir até ao armazém da CONAB
queria falar com o gerente ou mesmo com o encarregado do setor, um tal Osmar. Que
ele lhe desse uma explicação. Queria saber que estória de que o cadastro do seu
Arribamar Dias estava atrasado pela falta do certificado das vacinas da aftosa.
Pelo menos foi que havia escutado com o seu amigo, o jumento Tião Velho, da boca
da Dona Expedita. “Ora bolas, precisa de papel não, vou lá à CONAB mostrar pra
eles a coleção de calombos (cistos) do meu pescoço, deixados todos os anos pela
desgraça dessa vacina. E, isso é prova material”.
No seu
trajeto que seria mais ou menos uma légua, teve que enfrentar todo tipo de
situação vexatória. A primeira, logo muito cedinho, uma meia dúzia de cachorros
magrelos latindo sem parar. Deu pouca importância, não iria perder seu tempo.
“Dizem que cachorro que muito ladra, não morde”, pensou!
Chegando
ao balão da Delta uma enorme carreta do tipo bitrem. Que susto! Ainda passou de
raspão, só o vento quase lhe derruba. O motorista quase perde o controle do
veículo e quebra o meio-fio. Para os xingamentos
do motorista, nem deu ouvidos. Tinha que seguir na sua missão. Dali partiu para
uma breve corrida mantendo o controle da respiração, para não se cansar, tinha
a linha do trilho na qual poderia seguir até mais na estação de onde seguiria, passando
ao lado da Praça Mandu Ladino, pelo abrigo dos velhos e depois subiria um pouco
mais ai estaria na CONAB.
Seria
mais longo o trajeto, mas evitaria o trânsito, os afoitos e os assombrados. Mudou
de ideia, haja vista, as muitas casas que agora existem ali obstruindo o antigo
caminho do trem. Pegou uma travessa e subiu pela Rua Ceará depois passou por trás
da Condiesel, cruzou a Rua Caramuru rapinho uma rua próxima ao mercado e depois
seguiu por uma paralela até o seu destino, no bairro de Fátima, o antigo
Macacal, região que não conhecia bem, mas já havia escutado muitas histórias do
seu avô, o Mimoso, da fazenda do Djalma Borges localizada ali próximo ao
Laborão.
O
intrépido touro estava pouco ligando para o fato das pessoas fugirem. Somente
umas mais afoitas arriscavam jogar coisas, geralmente pequenas pedras e paus,
outras saíam em disparada e se abrigavam nas residências e comércios. Na sua
caminhada resolveu trombar algumas motocicletas dos moto-taxistas e correr
atrás dos ciclistas que insistiam em atrapalhar a sua caminhada. Aos poucos ia
avançando. Em alguns momentos teve que partir em corrida louca para se sair dos
mais afoitos. Não tinha tempo a perder. O sol ia subindo, já se aproximava das
11 horas. Ele sabia que o armazém fechava para o almoço, ao meio-dia.
Ao
chegar foi logo barrado pelo vigilante que se assustou ao ficar frente a frente
com aquele ofegante boi querendo adentrar ao escritório. O Amazonas não estava ali
para brigar com ninguém, queria só uma solução para o seu problema e dos seus
pares. Os homens sem entenderem a sua linguagem animal e apoiados pelas forças
da segurança pública partiram para enfrentá-lo. Assustado, porém determinado a
concluir a sua árdua missão, resistiu. O
pobre touro acabou ficando encantoado em um terreno baldio, cercado de arame
farpado, onde virou um alvo fácil, para o atirador de elite.
OBS:
Obra de ficção literária baseada num fato real.


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