segunda-feira, 24 de junho de 2019

SHORT STORIES



essse não psei onde pfoi pfarar…/maisss lhe digo, pfoi...

O PRETO 17

 Antonio Gallas


 O semblante daquele ascensorista me parecia familiar.
Ao tomar o elevador para chegar até ao mirante do Metropolitan Hotel em Teresina, na cobertura do prédio, cumprimentou-me apertando minha mão e foi logo dizendo: - como pvai? Tfuudo buem com pfocê? Respondi que sim e indaguei: - e com você? Então ele respondeu: pfapaz, eu nem te conto... agfora, tfou maizçoumenos. -  Mas isso é uma longa história, disse-me sorrindo.
A intimidade dele para comigo, deixou-me intrigado. Rebusquei na memória para ver se se conseguia lembrar alguém do meu tempo de estudante em Teresina, e nada...
Finalmente o elevador chegou ao destino e ao nos despedirmos, ele esboçando a dificuldade em pronunciar as palavras disse: - Guaxela vem aqui depois, que te conto como aconteceu tudo isso.
Ao pronunciar o meu apelido do tempo em que estudei em Teresina, não tive mais dúvidas. Era um  dos colegas de ginásio, mas eu jamais poderia imaginar que tratava-se do Oziel, o galã da Rua da Estrela, hoje Desembargador Freitas, que nos tempos da jovem guarda, nas tertúlias  no Clube dos Diários, trajando calça boca de sino, camisas listradas e botas canos longo, ganhava todas as meninas da festa. Era apelidado de o “Roberto Carlos dos Pobres”.
Meu apelido “Guaxela” surgiu na primeira aula de português com o nosso professor Raldir Bastos. Iniciando a primeira série do ginásio no Colégio Demóstenes Avelino. Nosso professor de Português, Raldir Bastos,  entrevista cada um dos alunos perguntando a sua procedência. Ao chegar minha vez disse-lhe que era de Tutóia, do estado do Maranhão… Professor Raldir exclamou: “então meu filho, você é da terra dos guaxinins”!
A turma toda caiu na gargalhada e foi quando surgiu este meu apelido.  Fiquei tão familiarizado com o tal apelido que se alguém me chamasse por Antonio eu dificilmente atenderia, mas Guaxela ou Guaxinim, eu já estava a postos.
Fiquei curioso, e ao mesmo tempo ansioso, para conhecer a história e descobrir quem era esse amigo, tanto que  no dia seguinte retornei, pois era sábado,  e queria reencontrar  umas “amigas” que costumavam frequentar o bar e restaurante  no mirante do Hotel, de onde, durante a noite, tem-se  uma visão maravilhosa de Teresina.
Oziel aproximou-se da mesa onde eu já estava degustando uma “loura suada” com petisco de camarão empanado, cumprimentou-me e com aquela voz embaralhada e às vezes sibilante, disse-me quem ele era,  e que imaginava  eu não o tê-lo  reconhecido de imediato. Confirmei que sim e fui logo perguntando: o que foi que lhe aconteceu, meu irmão?
Queria saber como um cara boa pinta, bem afeiçoado, “bom de papo”, metido a galã, estava com uma deformação enorme no rosto - a bochecha do lado esquerdo inchada, muito mais do que a do Kiko, personagem da série Chaves da TV mexicana. Era como se tivessem implantado um caroço de pequi (muito usado pelos barbeiros de antigamente) em sua bochecha.
- Isssso é uma longa hissstória. Maisss lhe digo, pfoi o prfeto 17, respondeu-me.
Quando ele falou em preto 17, pensei ter sido algum chapeado, estivador das imediações do Palha de Arroz, que o teria agredido violentamente até causar aquele estrago em seu rosto, e que, certamente, para ele, um galã dos anos 1970, seria um grande trauma.
Contou-me que ao terminar os estudos básicos em Teresina, fora para o Rio de Janeiro, onde uma prima prometera lhe arranjar um emprego num dos cinemas do Largo do Machado que à época lá funcionavam. E assim foi feito. Trabalhou inicialmente no cinema da Metro e depois arranjou outros empregos e por fim numa concessionária de automóveis onde tinha um salário fixo e mais a comissão pelas vendas de carro e de  consórcios. Inicialmente morou no bairro da Glória, nas Ruas Hermenegildo de Barros e Cândido Mendes, vizinho até da ladeira do Russel, onde se localizava a Rádio Globo. Casou-se com essa prima e foram então morar em outro bairro.
Tudo ia bem em sua vida. Harmonia com a esposa, esperança de terem filhos, apesar de já com quase dois anos de casados nenhum rebento ainda ter dado o ar da graça ou avisado que viria... Enfim, tudo ia na santa paz de Deus, até que uma casa de jogos, um cassino,  foi instalado próximo a sua residência.
Diariamente ao sair do trabalho Oziel passava no tal cassino para ficar “curiando”. E o croupier dando as ordens em diversos idiomas: “façam jogo senhores”! “Make  your bets gentlemen”!  “hagan juego señores”! e o resultado era sempre o mesmo: preto 17!

Falou que durante a semana, todos os dias,  ficava observando o movimento das apostas e com vontade de fazer uma “fezinha” mas, receoso de perder seu dinheiro,  não se aventurava, até que um dia, segundo ele, diante dos insistentes resultados preto17, criou coragem,  se arriscou e jogou todo o  salário que tinha recebido no final do mês. E sabe qual foi o resultado? – perguntou-me ele, o que prontamente respondi: deu preto 17.
- Dzegativo, respondeu. Dzeu pfoi pfvermelho pvinte sete.- Sim, disse-lhe, e o que tem isso a ver com o defeito em seu rosto?

Foi então que ele explicou: ao chegar em casa, completamente liso, sem dinheiro, sem compras do supermercado, e ainda por cima com uma desculpa esfarrapada, a esposa embraveceu e aplicou-lhe tremendo chute nos testículos, que um dos ditos  foi esbarrar na bochecha esquerda, causando-lhe aquele estrago facial. Agucei mais ainda  minha curiosidade e perguntei-lhe: - e o outro?  Ele, balançando a cabeça negativamente  respondeu-me: - Guaxela, essse não psei onde pfoi parar…

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