segunda-feira, 17 de junho de 2019

NA ROTA DO ISOLAMENTO


Manuel Domingos Neto ( * )


Dizendo que quer o povo armado para resistir a eventual tentativa de golpe de Estado, o Presidente vai se isolando das corporações militares.

O isolamento começou quando Bolsonaro não defendeu a farda achincalhada por seu Guru. 

Militares não esquecem essas coisas e costumam saber aguardar a hora do troco.

Bolsonaro mexeu com ícones, entre eles o único general experimentado em guerra. Santos Cruz usou capacete azul, da paz. Mas, de fato o teatro no Congo era de guerra. Onde já se viu menosprezar guerreiro que retorna vitorioso?

O preço pago para demitir o militar renomado foi alto.  Bolsonaro tirou um fiel escudeiro, o general Ramos, do comando da tropa sediada em São Paulo! 

Inacreditável! Imagino o risinho discreto do comandante do Exército, general Pujol. Poderá indicar alguém de sua confiança para um cargo da maior relevância para o destino do Brasil no curto prazo.

Pujol anda calado. Não usa mídia social. É homem com trajeto na Inteligência. Nada indica ser um primário. Sabe muita coisa. Sabe sobretudo que ocupa o posto militar mais importante da República.

Os militares são reacionários e ressentidos com a esquerda.

Liberada do cárcere e retornada do exílio, a turma impertinente quis tirar de baixo do tapete o terrorismo de Estado praticado para manter o regime implantado em 1964. Ingratos!

A esquerda errou feio ampliando a autonomia de corporações que se veem como o primeiro e o último bastião da pátria. Esta autonomia corporativa absoluta  nutre o golpismo castrense desde a Guerra do Paraguai. 

Os comandantes da atualidade tinham que optar diante do confronto sino-americano. Não poderiam desagradar seu principal fornecedor de armas e apetrechos, o Império do Norte.

Abraçaram o neoconservadorismo sem rebuços. Quem vende armas também catequisa. Foram décadas de catequese nas escolas estadunidenses. E de triagem ideológica nas escolas militares brasileiras, em prejuízo da visão estratégica. Pensamento único é burrice.

Assim, olhando bem, não é tão admirável a forma como os militares suportam o "entrega tudo" de Guedes e sua impiedade contra  os mais pobres.

Obviamente, desde que resguardados e melhorados os seus soldos!

Viram em Bolsonaro a única alternativa para impedir o retorno de Lula ao Planalto e, consequentemente, interromper a veleidade da política externa ativa e altiva encarnada pelo ex-operário e por Celso Amorim. 

Essa política, insuportável aos seus fornecedores, poderia até levar ao colapso operacional. Em negócios militares, a troca de equipamentos sofisticados não se dá do dia para a noite.

Bolsonaro representava também uma oportunidade de complementar a renda e garantir ocupação para o contingente de jovens reservistas à toa na vida. Homens preparados e vigorosos, precisando ajudar os filhos, renovar o carro, quem sabe trocar de apartamento...

Avalizaram em uníssono Bolsonaro.

Hoje,  estão divididos, como era de se esperar: a ribalta política é para contendores. Aí, a disciplina e a hierarquia castrenses não funcionam. Vaidades e vanglórias, compadrios e desafeições explodem sem a contenção dos códigos disciplinares.

Contudo, militares não perdem o senso corporativo acerca do monopólio do poder.

Esse negócio de armar o povo para a luta política não combina com o que aprenderam em suas escolas.

Sabem também que a força bruta precisa de revestimentos que a legitimem. A aparência é fundamental para o militar. Nunca descuidam  do traje.

Quando o Presidente tenta arregimentar as massas contra o Parlamento e o Judiciário, delira. Quer proteger-se no momento em que o jogo aperta. Quer sair das cordas, buscar a ofensiva.

Nem desconfia que os fardados podem não endossar a astúcia chinfrim. Afinal, sobrará para o quartel o preço da catástrofe anunciada.

Ou endossariam?

Há sempre coisas estranhas no ar neste tempo de guerra híbrida.

Bolsonaro nunca escondeu seu desejo de ver o país mergulhado numa guerra civil que exterminasse os "comunistas". Um percentual da sociedade o apoia.

Haverá entre os comandantes quem tope a parada?

Prefiro pensar que não
(*) Professor Manoel Domingos Neto é membro da Academia Parnaibana de Letras, professor universitário, doutor em História, cientista político, tem várias obras publicadas entre as quais O Militar e a Civilização (2006)

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