DEPOIMENTO SOBRE MANUEL DOMINGOS NETO
DEPOIMENTO SOBRE MANUEL DOMINGOS NETO
Alcenor Candeira Filho
Há pessoas que nascem para fazer o mal e há as que são predestinadas a uma vida sem outro objetivo que não o de legar uma biografia marcada pela decência, bondade, trabalho e amor ao próximo. Na segunda hipótese temos, sem dúvida, biografia exemplar no mais elevado grau, que justifica plenamente a passagem pela vida terrena.
Quero aqui prestar depoimento sobre uma pessoa que a vida inteira vem praticando aquelas virtudes de vida exemplar, mas aliada a forte inclinação para o combate corajoso, cheio de riscos, em defesa das classes marginalizadas e esquecidas pelo poder dominante.
Imagino que, no meio de tanta leitura ao longo da vida, Manuel Domingos Neto jamais deletou da memória estes versos da “Canção do Tamoio”, de Gonçalves Dias:
“Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que aos fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar.”
Dois anos mais novo que eu, não me lembro de ter conhecido Manuel Domingos na infância e adolescência, apesar de eu ter nascido e crescido em casa bem próxima do estabelecimento comercial de seu avô, Ranulpho Torres Raposo, na avenida Presidente Vargas.
O primeiro contato com ele ocorreu em fins de 1983 e logo depois ele me enviou o livro que escreveu em parceria com o professor Geraldo Almeida Borges – SECA SECULORUM, FLAGELO E MITO NA ECONOMIA RURAL PIAUIENSE, editado pela Fundação CEPRO, com a seguinte dedicatória:
Alcenor,
Foi uma alegria ter te conhecido. Tenho certeza de que temos muita coisa para fazer nesta terra. É preciso , sobretudo, não perder tempo!
Aguardo notícias.
Um grande abraço.
Manuel Domingos.
The, 19-01-84.”
No ano seguinte, Manuel Domingos me pediu uma colaboração para a 60ºª edição do ALMANAQUE DA PARNAÍBA, fundado em 1924 por Benedicto dos Santos Lima, o Bembem, que o manteve até 1941, com 18 edições, e que a partir de 1942 passou a ser dirigido por seu avô Ranulpho Torres Raposo, responsável por 41 edições ininterruptas (1942-1982). Atendi prontamente a solicitação do amigo com o artigo “A Nova Poesia Parnaibana”.
No auge da mocidade, estudante do curso de História da Universidade Federal do Ceará, concluído em 1971, Manuel Domingos engajou-se de corpo e alma na ação política estudantil como membro da AÇÃO POPULAR-AP, organização política clandestina de esquerda extraparlamentar , influenciada pelo socialismo humanista de fundo católico e que, segundo a Wikipédia, buscava “inspiração ideológica em Emmanuel Mounier, nos jesuítas Teilhard de Chardin e Henrique Cláudio de Lima Vaz, Jacques Maritain e no dominicano Louis-Joseph Lebret”.
A AÇÃO POPULAR foi constituída por líderes estudantis, destacando-se Herbert José de Souza (Betinho), Aldo Arantes, Vinícius Caldeira Brant. Alguns de seus membros chegaram a exercer, com a redemocratização do país, relevantes cargos públicos, como José Serra, Cristóvam Buarque, Plínio de Arruda Sampaio e (por que não lembrar?) Manuel Domingos Neto, que foi deputado federal e vice-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq. Plínio morreu fiel aos princípios alimentados na mocidade sonhadora. José Serra e Cristóvam Buarque lamentavelmente tornaram-se golpistas em 2015/2016. Manuel Domingos Neto continua até hoje firme e forte ao lado dos oprimidos.
Por conta de sua militância contra a ditadura militar de 1964, Manuel Domingos foi preso, torturado e expulso do país. Morou na Inglaterra e na França, onde fez doutorado em História na Universidade de Paris.
Retornando ao Brasil foi professor da Universidade Federal do Ceará e da Universidade Federal Fluminense, além de pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Ministério da Agricultura e Fundação CEPRO.
Publicou vários livros, destacando-se O QUE OS NETOS DOS VAQUEIROS ME CONTARAM, “que destaca a criação extensiva de gado bovino na construção do Brasil, os problemas do desenvolvimento socioeconômico regional e a reprodução do poder político no meio rural nordestino”.
Sobre esse livro esclarece o autor: “Eu busquei fazer uma reprodução do poder da época. Desde as figuras mais importantes da história do Piauí no século XX, até os seus grandes inimigos. Isso tudo partindo dos depoimentos colhidos em 1984, quando eu tinha aberto um laboratório oral em Teresina”.
Outra obra importante de sua lavra, em parceria com Geraldo Almeida Borges, é SECA SECULORUM, FLAGELO E MITO NA ECONOMIA RURAL PIAUIENSE, “resultado de mais de dois anos de pesquisas em fontes primárias e secundárias, com o objetivo de desvendar as características básicas do complexo fenômeno da ‘seca’ no Estado do Piauí”, como disse Antônio Adala Carnib, superintendente da Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí-CEPRO.
Natural de Fortaleza-CE (1949), Manuel Domingos é filho de Pedro de Castro Pereira e Florice Raposo Pereira. Tem três filhas e é casado com a arquiteta e professora Diva Maria Freire Figueiredo, professora do programa de mestrado da Universidade Federal do Piauí, primeira superintendente do IPHAN no Piauí e coordenadora dos trabalhos do tombamento federal do conjunto histórico e paisagístico de Parnaíba.
Atualmente reside em Parnaíba, onde coordena cursos de doutorado como professor visitante da Universidade Estadual do Piauí-UESPI e vem se dedicando à recuperação do prédio da avenida presidente Vargas em que seu avô manteve atividade empresarial, com o propósito de nele instalar o Gabinete de Leitura Ranulpho Torres Raposo, que deverá ser inaugurado no decorrer deste ano, com acervo de cerca de sete mil livros, inclusive com a coleção completa do ALMANAQUE DA PARNAÍBA (69 edições) fazendo parte desse acervo.
Até hoje, já perto dos 70 anos de idade, Manuel Domingos vem se comportando e agindo publicamente com a mesma força do ideal que conduziu seus passos na mocidade. Recentemente o vi no meio do povo, na praça da Graça, em Parnaíba, ouvindo atentamente os oradores que se pronunciavam na concentração cívica de apoio à Greve Geral do dia 28 de abril de 2017 realizada em todo o país. A cada grito de – Fora Temer! – erguia o braço direito, punho cerrado, com o mesmo entusiasmo de outrora e de sempre. E eu cá comigo: Puxa, por que não chamam o Manuel para falar? Eis que ao final da concentração, lá estava o grande professor com o microfone na mão. Compreendi então que o deixaram para o final para que a festa popular, de que jamais me esquecerei, fosse encerrada com chave de ouro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário