sábado, 24 de junho de 2017

DEPOIMENTO SOBRE JOÃO ERNESTO ARARIPE


Alcenor Candeira Filho

Fonte: Google

     Nascido em Fortaleza-CE em 1941, o professor João Ernesto Araripe teve a partir dos doze anos de idade uma formação religiosa e militar: de 1953 a 1957 foi aluno do Seminário Arquidiocesano de Fortaleza e de 1960 a 1962 serviu ao CPOR, recebendo em razão de estágios feitos a patente de 2º Tenente do Exército. Ainda em Fortaleza iniciou três cursos superiores, todos na Universidade Federal do Ceará e não concluídos: Faculdade de Engenharia, Instituto de Física e Instituto de Matemática. Graduou-se finalmente em administração de empresas na Universidade Federal do Piauí/ Campus Ministro Reis Velloso.
     Em fins dos anos 60 ingressou no Banco do Brasil S.A. e casou-se com a parnaibana Nancy Pinheiro, fixando residência em Ubajara-CE e em seguida  em Parnaíba, onde começou a dar aulas de Matemática para pequenas turmas que se preparavam para concursos públicos e para vestibulares. Ali estava o embrião do cursinho preparatório para o vestibular – o Cobrão – por ele fundado em 1973 com a seguinte equipe de professores: João Ernesto Araripe (Matemática e Física), Maria da Penha Fonte e Silva (História Geral e do Brasil), Carlos Alberto Teles de Sousa (Inglês), Antônio de Pádua Barbosa Vieira (Geografia), Assis Sousa (Biologia e Química) e Alcenor Candeira Filho (Português e Literatura Brasileira).
     Em 1978 transformou o cursinho em colégio, inicialmente só com o ensino médio. Depois foram instituídos os cursos de ensino fundamental e primário, mantidos até hoje. Nessa época de formalização do colégio, João Ernesto pediu-me sugestões para o nome  da instituição. Forneci-lhe algumas, mas ele sem pestanejar me  disse que era grato pelas sugestões, mas a denominação já estava definida: Unidade Escolar Alcenor Candeira, mantido o nome de fantasia COBRÃO.
     Houve um período em que a procura por vagas nos 1º, 2º e 3º anos do curso de ensino médio do Cobrão era bem maior que a demanda. Campeão  absoluto em aprovação em vestibulares, o colégio mantinha cinco turmas para cada série e os alunos novatos submetiam-se então a testes  seletivos para ingressarem na escola.
     À época o colégio só dispunha de um prédio, no centro da cidade. As salas de aula foram erguidas ao lado da residência do diretor-proprietário, cuja esposa, Nancy,  fazia de sua casa uma extensão do colégio,  recebendo a qualquer hora alunos, que usavam à vontade a piscina e a quadra de esportes. Ali se reunia festivamente a “família Cobrão”. Que o digam os alunos daqueles inesquecíveis tempos.
     Algumas curiosidades:
     - ao longo de toda a existência do Cobrão o professor João Ernesto é sempre o primeiro a chegar ao trabalho, postando-se no portão de entrada para receber alunos, funcionários e professores;
     - à noite, na época em que faltava  energia elétrica com frequência, João Ernesto só entrava em sala de aula com vela e fósforo no bolso, usados sempre que necessário: o importante era não interromper  a aula;
     - as cadeiras da escola eram pregadas no piso e numeradas, de modo que cada aluno usava sempre a “sua” carteira, possibilitando que o professor não perdesse tempo com a tradicional “chamada”: servidor da escola é quem conferia as ausências;
     - a porta do gabinete do diretor é identificada com a placa – COMANDO;
     - Meus dois primeiros livrinhos de poesia – “Sombras entre Ruínas” (1975) e “Rosas e Pedras” (1976) foram feitos no mimeógrafo do Cobrão, com tiragem de 200 exemplares;
     - em 1957 o pai de João Ernesto recebeu uma carta do reitor do Seminário na qual  comunicava que lamentavelmente seu filho seria desligado daquela instituição por falta de vocação para a missão eclesiástica;
     - trabalhei no Cobrão de 1973 a 2005, deixando a atividade docente para exercer o cargo de secretário municipal  de educação
     O professor João Ernesto adotou na sua escola dois princípios simples: primeiro, recrutar professores nem sempre em função de titulação, como ser formado em pedagogia, ter mestrado ou doutorado, mas sim em razão do talento individual e do bom conhecimento da matéria que leciona, quer dizer, o que importa é a habilidade para transmitir aos alunos de forma clara e eficaz o conteúdo da disciplina. Nunca faltou ao professor João Ernesto a consciência de que as nossas faculdades de pedagogia muitas vezes formam professores incapazes de fazer o básico: entrar na sala de aula e ensinar a matéria, com cada aula devidamente planejada. Por isso pelo Cobrão passaram como professores médicos, advogados, economistas, administradores de empresas, engenheiros sem formação (formal) em pedagogia.
     Como declarou Eunice Durham, uma das maiores especialistas em ensino superior brasileiro (VEJA, 26.11.2008), “os cursos de pedagogia desprezam a prática da sala de aula e supervalorizam teorias supostamente mais nobres. Os alunos saem de lá sem saber ensinar. (...) O objetivo declarado dos cursos é ensinar os candidatos a professor a aplicar conhecimentos filosóficos, antropológicos, históricos e econômicos à educação. Pretensão alheia às necessidades reais das escolas – e absurda diante de estudantes universitários tão pouco escolarizados”.
     Segundo o professor americano Eric Hanushek (VEJA, 17.09.2008), especialista em combater com números os mitos sobre a sala de aula, “as pesquisas não deixam dúvidas: os Ph.Ds. não apenas não são necessariamente os melhores professores, como muitas vezes figuram entre os piores”.
     O outro princípio a que o professor João Ernesto sempre foi fiel é o de não permitir o absenteísmo, estranho hábito de alguns professores de não aparecer para dar aula. Ao longo de mais de 30 anos de trabalho no Cobrão, testemunhei muitas vezes, por exemplo, João Ernesto pegar o automóvel para tirar de casa o professor “sumido da sala de aula” por causa de chuva.
     Está redondamente enganado quem imagina que o interesse intelectual do professor João Ernesto é voltado apenas para as ciências exatas. Como ex-seminarista sempre teve interesse pelo latim e pelo português. De vez  em quando ele me dasafiava a estudarmos juntos a  língua de Cícero, já que sabia que eu tinha algum conhecimento desse idioma, que estudei no ginásio e no curso preparatório para a faculdade de direito, no Rio de Janeiro. Eu ria da proposta e recitava estes versos do poeta português Cesário Verde:
            “Dó da miséria!... Compaixão de mim!...
            E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
            Pede-nos esmola um homenzinho idoso,
            Meu velho professor nas aulas de latim!...”
     João Ernesto é ouvinte contumaz de música clássica, possuindo valiosa coleção de discos nessa área: Bach, Tchaikovsky, Beethoven, Ravel, Chopin, Vivaldi, Mozart e outros.
     Hoje, aos 76 anos de idade,  ainda dirige o Colégio Cobrão e dá cinco aulas por semana, dedicando-se à educação com o mesmo entusiasmo de quando era jovem.
     Ele e Nancy têm quatro filhos, todos bem encaminhados na vida, e vários netos e bisnetos. Daqui a alguns anos eles com certeza pronunciarão a célebre frase que é privilégio de poucos: “Meu neto, dê cá teu neto”.  

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