quarta-feira, 9 de novembro de 2016

CENAS DO COTIDIANO


VOCÊ PODE NÃO ACREDITAR

Antonio Gallas

                “Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que os leiteiros deixavam as garrafinhas de leite do lado de fora das casas, seja ao pé da porta , seja na janela.
 


                 A gente ia de uniforme azul e branco para o grupo de manhazinha, passava pelas casas e não ocorria que alguém pudesse roubar aquilo.
                Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que os padeiros deixavam o pão na soleira da porta ou na janela que dava para a rua. A gente passava e via aquilo como uma coisa normal.


                Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que você saía à noite para namorar e voltava andando pelas ruas da cidade, caminhando displicentemente sentindo cheiro de jasmim e de alecrim, sem olhar para trás, sem temer as sombras.
                 Você pode não acreditar: houve um tempo em que as pessoas se visitavam amistosamente. Chegavam  no  meio da tarde ou  à  noite, contavam casos, tomavam café, falavam da saúde, tricotavam  sobre a vida alheia e voltavam de bonde às suas casas.
                Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que o namorado primeiro ficava andando com a moça numa rua perto da casa dela, depois passava a namorar no portão, depois tinha ingresso na sala da família. Era sinal de que já estava praticamente noivo e seguro.

                Houve um tempo em que havia tempo.
                Houve um tempo.”
                O texto que acabamos de ler foi uma das questões da prova do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM realizado no último domingo (6) em todo o país. É de autoria do escritor mineiro Affonso Romano de Sant’Anna e foi publicado jornal “Estado de Minas” em 05 de maio de 2013.  Além de escritor com mais de 40 livros publicados,     Affonso Romano que é casado com a escritora Marina Colasanti, é professor em diversas universidades brasileiras e já lecionou em  universidades dos Estados Unidos e  Europa. 
                 Neste texto, o autor tenta sensibilizar o leitor sobre o modo de como as pessoas relacionavam-se entre si num tempo mais aprazível, sem essa violência que hoje enfrentamos, que  sequer  temos o direito de sentar à porta de nossas residências para um bate papo cordial com um amigo porque corremos o risco de sermos molestados, esfaqueados, baleados por essa gama de mal elementos que se proliferou no país (não estou falando dos políticos!!!), na maioria menores de idade que são protegidos pelas leis da justiça, dos direitos humanos etc... etc...
                Estamos presos! Enjaulados nos nossos próprios lares, protegidos (?) por cercas elétricas, câmaras de segurança, cães de guarda e outros aparatos tecnológicos, mas mesmo assim nossas residências são invadidas por esses meliantes que cometem as mais escabrosas atrocidades que vão desde o estupro ao assassinato. E fica por isso mesmo! A impunidade reina em nosso país.
                Você pode não acreditar, você jovem que nasceu nas últimas décadas do século XX não teve a felicidade de ter vivido neste tempo em que “éramos felizes e nem sabíamos”! Minha geração viveu. Gerações anteriores à minha também viveram!
                Repetindo o que escreveu Affonso Romano de Sant'Anna, você pode não acreditar, mas houve um tempo... Houve um tempo que gostariamos  de vivê-lo  novamente...

               


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