quinta-feira, 7 de julho de 2016
HISTÓRIAS DE ÉVORA
HISTÓRIAS DE ÉVORA
Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.
Capítulo XIII
Confissões (2)
Elmar Carvalho
Pedro Pinto Pereira contou que logo na primeira noite de sua lua de mel achou algo de estranho nas atitudes de Carmem, sua mulher. Um tanto nervosa e inquieta, mesmo com as luzes apagadas, relutou em se despir. Apenas após alguma insistência de sua parte, e com a sua ajuda, foi se despindo aos poucos, dando mostras de se sentir pouco à vontade.
Quando, após as carícias regulamentares e de praxe, mas sem as limitações da época de namoro, ele tentou possuí-la, notou que ela se contraiu toda, como se o rejeitasse. Ante a sua firme insistência, ela sussurrou “deixe que eu coloco”. De forma inusitada dobrou as pernas, puxando os joelhos em direção à cabeça, para dessa maneira erguer as partes glúteas. Em seguida colocou o pênis no reto, com a indispensável colaboração do parceiro. Este pensou em resistir; mas resistir quem há-de? – como diria o poeta.
Achou que se recusasse o que lhe era ofertado criaria uma situação mais embaraçosa ainda. Certas proibições e tabus são mitigados sob o argumento de que se deve evitar escândalo, pelo menos diante de certas situações em que não há prejuízo e nem derramamento de sangue. Que prejuízo haveria, se foi ela quem provocou aquele desfecho inesperado.
Após a conclusão do ato, do qual ela terminou participando com muito gosto e gozo, haja vista os estrebuchamentos, os grunidos, ganidos e gemidos, os ais sussurrados em voz estrangulada, ele preferiu ficar abraçado com ela, beijando-a e cheirando-a suavemente, em silêncio, até que ela dormiu ou fingiu dormir, não tinha disso ele certeza.
Ao amanhecer, quando ele a procurou novamente, a mulher, sob o lacônico argumento de que estava naqueles dias, repetiu tudo de novo. Para encurtar o relato, direi que esse tipo de relação sexual foi mantido durante mais de trinta anos. Por várias vezes o bravo tenente tentou que ela permitisse o coito vaginal (ou como ele dizia, normal ou natural), mas ela sempre se escusava, em muda teimosia ou em peremptórias e não convincentes justificativas, invariavelmente monossilábicas. Por isso o casal nunca pôde ter filho.
Como ela fosse muito limpa, higiênica, cheirosa e tivesse a fenda muito apertada, e aparentasse ter muito fogo e prazer, ele acabou, meio a contragosto, por aceitar essa preferência de sua esposa. Além do mais, forçoso foi confessá-lo, ela tinha uma bunda magnífica, escultural, rija, muito bem torneada, na verdade uma lídima obra de arte. Para evitar possíveis surpresas e contaminações, passou a usar sistematicamente camisa de vênus. Algumas vezes, quando ela estava mais ardente que o habitual, exigia-lhe não usar o preservativo, para que melhor fossem sentidas as ranhuras, texturas e nervuras.
Nostálgico do bom e velho sexo vaginal, ele, de vez em quando, do modo mais discreto possível, o praticava de forma esporádica, com uma ou outra cachopa que não lhe fosse pegar no pé. Ela nunca soube dessas puladas de cerca, ou simulou não saber, aceitando isso como consequência natural de sua exigência na cama. Seria uma espécie de imposto que ela deveria aceitar sem resistência, sem queixas e recriminações.
– Mas a que o senhor atribui o fato de ela nunca aceitar o sexo vaginal, tenente? – perguntou Fabrício, tão logo o relato foi concluído.
– Não tenho a menor ideia. No início andei perguntando algumas vezes, mas ela sempre se recusou a me dar uma explicação aceitável, e se irritava quando eu lhe indagava a esse respeito. Ficava muito chateada, e até se recusava a fazer sexo durante alguns dias, de modo que achei melhor não mais fazer perguntas. Mas nos últimos anos comecei a me aborrecer com essa inexplicável tirania, comecei a ficar enjoado e enojado dessa longa sodomia, e resolvi me libertar com a separação.
Levantaram-se na roda algumas hipóteses sobre essa exclusiva preferência sexual. Marcos achou que a ex-mulher do tenente poderia ter alguma anomalia de que sentisse vergonha, como vaginismo ou corrimento, embora o tenente tenha dito que ela era muito limpa, higiênica e cheirosa.
Talvez ela, em algum momento difícil de sua vida, tenha feito promessa a algum santo de sua devoção de nunca perder a virgindade, caso o problema fosse resolvido, argumentou Fabrício. Acrescentou que, mesmo que ela tivesse preferência por essa modalidade de sexo, poderia praticar, ainda que raramente, o vaginal, ao menos para quebrar a rotina, ao menos para satisfazer o marido.
Várias outras hipóteses, algumas estapafúrdias, foram aventadas, mas é claro que, sem o esclarecimento de Carmem, nenhuma poderia ser tida como verdadeira. Ainda mais naquela época, sobretudo em Évora, em que o sexo anal era considerado pecaminoso, mesmo pelas prostitutas. As duas ou três que sabidamente o praticavam eram discriminadas pelas próprias colegas, que as chamavam de cuzeiras, e delas mantinham ostensiva e enojada distância.
As que praticavam a sodomia e a felação eram tidas como mulheres completas, e se falava que faziam cabelo, barba e bigode, incluindo-se nesse tripé a modalidade convencional. Havia uma rapariga, cheia de pudicícias e negaças, que sequer se despia com as luzes acesas. Outra nem mesmo permitia que seus seios fossem tocados, quanto mais o sexo, que se destinava apenas à penetração de praxe, sem saliências e bolinações. Como há gosto para tudo, todas tinham a sua clientela fiel.
Embora de forma um tanto relutante, já que não desejava ser professor de ninguém, muito menos em tão controvertido assunto, Marcos explicou que lera num dos livros da madame Doralice que esse tipo de sexo era repelido por muitas religiões e seitas, que o consideravam contrário à natureza, até porque não permitia a concepção, já que a parte anatômica utilizada não fora feita para isso; que alguns dos parceiros depois se arrependiam e sentiam remorsos, como se houvessem praticado alguma abominação; que a maioria das mulheres se sentia desconfortável, humilhada, constrangida e/ou envergonhada, e só o aceitava para agradar ao seu homem, mormente quando na fase da paixão. Entretanto, algumas confessavam sentir enorme prazer e contentamento nesse tipo de relação. Finalizou dizendo que era um assunto de interesse exclusivo do casal, não cabendo a ninguém nele se imiscuir.
Fabrício disse que o sexo tinha os seus mistérios, e que muitas vezes tinha razões desconhecidas pela própria razão. O ser humano era um poço de mistério e escondia segredos insondáveis pelo próprio indivíduo. Normalmente ele era discreto, mas resolveu contar um fato pessoal, para melhor esclarecer o que fora discutido.
Relatou que, dois anos atrás, saíra com uma mulher casada, e a levara a um chatô, o mais discreto e luxuoso de Évora. Quando lá chegaram, a mulher, por sinal da alta sociedade eborense e de mais alta beleza, se recusou a praticar o sexo comum, sob o argumento de que jurara fidelidade ao marido. Mas sem nenhum pudor e constrangimento, aceitou tudo o mais, inclusive praticar caprichada e meticulosa felação. Parecia ser a sua maneira própria, peculiar, cômoda e prazerosa de manter a sua fidelidade conjugal.
Para descontrair o ambiente, que estava muito sério, contou um caso anedótico acontecido com uns parentes de sua amizade. Sua mãe recebera uma carta de uma prima, na qual esta lhe contava que um filho bulira com a namorada, e que talvez fossem, ela e o marido, obrigar o filho a se casar com a moça, filha única de um casal amigo e vizinho. Dias depois, todavia, recebeu outra missiva, trazendo novos esclarecimentos; na verdade, o rapaz não mexera no principal, “mas apenas no seu vizinho”, pelo que o jovem não mais seria compelido “a reparar o erro”, com o casório.
– Tudo é válido dentro de um quarto, desde que não haja imposição; desde que o homem e a mulher aceitem numa boa as preferências do outro e se sintam bem; desde que ambos sintam prazer e não se sintam constrangidos – pontificou, doutoral, Fabrício, que naquele dia estava muito inspirado. E arrematou: Afinal, como disse Pessoa, tudo vale a pena se a pessoa não for de mentalidade pequena.
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