quinta-feira, 28 de maio de 2020

HOMENAGEM AO MONSENHOR HÉLIO MARANHÃO

                    Através do ilustre conterrâneo e amigo Pedro Pio da Penha Ramos, residente em São Luis do Maranhão,  tomei conhecimento de um poema escrito pela escritora e poeta Gracilene Pinto (*) a Grace do Maranhão no qual citava nomes da intelectualidade  maranhense dentre os quais o poeta Nauro Machado (sou fã incondicional), o escritor e compositor Eulálio Figueiredo e o nosso querido e imortal  Monsenhor Hélio Maranhão. 
                     Perguntei então ao Pedro Pio quem era Gracilene Pinto, o que de imediato ele me respondeu: "É bela poeta nascida na Baixada Maranhense.
Amiga de Padre Helio e frequentadora da Capelania da Policia Militar onde assistíamos as missas de domingo. É também uma amiga querida.
Tem publicado os livros NA ASA DE UM COLIBRI - poesia. E  um livro de contos e causos da baixada".
                     Imediatamente procurei entrar em contato com a referida escritora que recebeu-me através do whatsapp  como muita cordialidade e educação e,  para surpresa minha, enviou-me uma crônica que fizera para homenagear o nosso tão querido Pastor de Tutóia.
Na data de ontem, 27 de maio,  se vivo fosse monsenhor Hélio estaria completando 90 anos de idade. Eis a cronica de autoria de Gracilene Pinto :
Hélio Maranhão em celebração eucarística na Igreja de Nossa Senhora de Nazaré em Tutóia - MA

HÉLIO MARANHÃO E EU, AMIZADE À PRIMEIRA VENDA.

                Nos meados da década de oitenta eu trabalhava em uma concessionária de automóveis Volkswagen em São Luís. Foi quando conheci o Monsenhor Hélio Maranhão. Ele havia sido contemplado em um consórcio e eu era a vendedora que deveria lhe entregar o bem, no caso um veículo do tipo Voyage.
                Foi amizade a primeira vista, ou melhor dizendo, à primeira venda. Logo descobrimos vários pontos em comum: a devoção a Nossa Senhora; a facilidade de estabelecer uma amizade sincera, dado a passionalidade e franqueza proverbial das nossas personalidades; e o amor à literatura, não só para degusta-la nos textos alheios como também para registrar nossas próprias impressões do mundo.
                Com seu carinho paternal, rapidamente o Padre Hélio Maranhão conquistou meu coração, e desde então nunca mais nos afastamos por muito tempo. Se eu demorava a ligar e ele não conseguia me localizar por telefone ia pessoalmente em busca de notícias minhas.
Ser amigo de verdade é isso: importar-se com o outro.
                Lembro-me como se fosse hoje de vê-lo chegar em meu trabalho acompanhado de Maria da Paz trazendo um anjinho rechonchudo de um a dois meses de idade que colocou em meus braços. Perguntei-lhe quem era e a resposta foi: Shulamita, minha filha nascida do coração. Eu perguntei a modo de confirmação: Sulamita? E ele com seu costumeiro tom enfático: Não! A pronúncia correta em aramaico é Shuuulamita.
Em outra ocasião, no final dos anos noventa quando fui morar com meu namorado no centro da cidade, estávamos em casa por volta das dezenove horas e eis que chega de inopino o Monsenhor Hélio Maranhão com Shulamita (ainda pequenina), Maria da Paz e Penha para visitar-me.
O caso foi que sentindo a minha falta e não conseguindo estabelecer contato telefônico, o querido amigo foi até a casa da minha mãe no Jardim dos Faraós onde foi lhe informaram o meu paradeiro. Queria saber se eu estava bem e fez questão de conhecer a casa e conversar com meu namorado perguntando-lhe se de fato gostava de mim ou se era apenas um capricho, fazendo na ocasião uma série de recomendações, tal como o faria um pai zeloso.
Hélio Maranhão era uma pessoa muito intensa e sua personalidade exuberante me encantava. Eu tinha muito a aprender e ele muito a me ensinar. Além de que ele fazia sempre questão de incluir-me em todos os momentos importantes da sua vida e de seus familiares, como se parte da família eu fosse. Família essa, aliás, que se estendia para muito além da consaguinidade e, além de mim, no seu grupo fraterno de São Luís incluía o amigo Zé Raimundo com a esposa Waldelice e filhos, o Marcelino, e outros.
Quando assumiu uma cadeira na Academia Barracordense de Letras, sua terra natal, ele me convidou para acompanhar a comitiva e fazer a sua apresentação durante a solenidade de posse. Senti-me honrada e ao mesmo tempo um pouco intimidada ante tão grande responsabilidade. Mas aceitei o convite. Viajaríamos em um ônibus especialmente fretado para tão importante excursão. Preparei minha bagagem com os trajes apropriados para as diversas ocasiões, inclusive para o banho na Trezidela, local do encontro dos rios Corda e Mearim.
Sobre esse encontro de águas na Barra do Corda eu gostaria de registrar um fenômeno deveras interessante. O Rio Corda transita pelas sombras das matas e tem águas geladas e amarelo acastanhadas, embora transparentes. O tom pendente para o castanho certamente se deve às folhas secas que caem no rio e se deterioram. O Mearim, por outro lado, se estendendo em campo aberto, tem águas mornas e aconchegantes. Mais claras, porém turvas. E os dois rios, como diz o ditado, “se ajuntam mas não se misturam”. Orgulhosos, caminham lado a lado durante algum tempo sem misturar-se ao ponto de uma pessoa que esteja posicionada exatamente no encontro das águas pode, abrindo os braços, tocar nas águas translúcidas e gélidas do Rio Corda com a mão direita enquanto mergulha a mão esquerda nas águas tépidas e turvas do Mearim.
Porém, voltando a questão da viagem, infelizmente não pude empreendê-la devido a um incidente ocorrido estando eu a caminho do local onde deveria encontrar com o Monsenhor Hélio e os demais excursionistas. Foi o fato que, havendo eu estacionado meu carro em frente a uma farmácia, ao retornar não encontrei mais a mala, que havia sido roubada. O Monsenhor ficou chateadíssimo.
                Logo depois eu sofri um Acidente Vascular Cerebral do qual me restaram sequelas graves. Fiquei internada durante algum tempo no Hospital SARA, mudei de residência muitas vezes nesse período e durante cerca de um ano e meio não tive contato com o Monsenhor. Precisamente nessa época morei no Bairro do João Paulo durante dois anos, onde comecei a ajudar no trabalho litúrgico da Capela São Paulo. Um dia fui informada que viria celebrar uma missa festiva o Padre Hélio Maranhão, o qual já havia sido pároco ali, onde deixara ricas lembranças.
                Fiquei feliz e ansiosa pelo reencontro com o meu amigo após quase dois anos.
                No dia da celebração juntamente com os demais coristas e músicos eu estava posicionada no primeiro banco quando o querido vigário entrou de cabeça baixa, absorto e em atitude de grande unção. Já diante do altar, após proceder a inclinação e os rituais de praxe, o celebrante finalmente levantou os olhos para a assistência e deu de cara comigo. Não se conteve o bom Pároco e começou a rir e apontando o indicador para mim falou em alto e bom som: você está aí!
                Como ficar séria diante de um comportamento tão alegre e naturalmente despojado de artifícios? Ora, siô! (E esse ora siô é tão dele) Eu comecei a sorrir também enquanto os demais fiéis nos olhavam com estranheza. O restante da missa foi, como todo ato celebrado por ele, de leveza, alegria e sintonia angelical.
No entanto, algumas ocorrências daquela noite merecem registro e, para melhor me fazer entender, preciso dizer que embora eu estivesse procurando ser útil nas atividades paroquiais da comunidade do João Paulo ninguém ali sabia de fato quem eu era. Até notei muitas vezes que alguns me tratavam com certa restrição, coisa que eu fingia não perceber. Então, o Padre Hélio Maranhão começou o sermão, onde lembrou já ter sido pároco naquela comunidade onde procurara visitar e conhecer cada paroquiano. E, como uma lembrança puxa a outra, passou a contar da sua chegada a Tutóia e da primeira visitação empreendida às residências dos paroquianos, quando inadvertidamente foi parar no bordel. Do seu relato registrei que ao adentrar no recinto e apresentar-se como novo Padre a mulher que o atendeu fez cara de surpresa e batendo palmas gritou:
- Meninas, meninas, venham aqui! O padre veio nos visitar.
Rapidamente várias portas se abriram e mulheres de todas as raças e cores e idades apareceram olhando-o pasmadas. Então, surpreso o Monsenhor Hélio perguntou para a mais velha das mulheres, a que o havia recebido na porta, com aquele seu tom naturalmente formal que quem o conheceu não estranha:
- Minha senhora, que casa é esta?
- Esta é a casa das meninas, Padre. – respondeu a cafetina baixando a cabeça encabulada.
Então, o nosso pastor em uma amostra poderosa de caridade cristã respondeu da forma mais natural que lhe foi possível que sossegasse, estava tudo bem. Queria saber apenas se todas ali iam a missa e confessavam com o padre de forma habitual.
A confusão da madame foi ainda maior e a mesma respondeu como quem se sentia extremamente vexada:
- Padre, aqui em Tutóia nós somos proibidas de entrar na igreja.
A revolta do Monsenhor foi tamanha que, mesmo passados tantos anos, ainda se externava na sua expressão fisionômica. E, nessa parte do relato, incontido ele bateu o punho sobre o altar enquanto falava:
- O preconceito social é uma desgraça!
Prosseguindo com o sermão falou de preconceito, amor e caridade, de fé, de capacidade de superação, e, como advinhando ou intuído pelo Espírito Santo que, de certo modo, eu estava sendo vítima do preconceito de algumas pessoas que não me conheciam simplesmente por ser novata no bairro e gostar de sentar na porta da rua para aproveitar a brisa do começo da noite, além de que alguém havia espalhado ser eu uma dissidente de igreja protestante, apontou diretamente para mim e começou a falar sobre minha pessoa e minha vida como exemplo de fé, de amor, de luta, de superação, da nossa amizade de vinte e tantos anos, etc... falou com tanta ênfase, que se eu tivesse encomendado uma missa de ação de graças não seria certamente tão edificadora e cheia de gratidão a Deus.
Depois desse dia todo mundo da comunidade queria a minha amizade.
Monsenhor Hélio Maranhão merece vários e especiais capítulos na história da minha vida. Ele celebrou o casamento da minha filha mais velha na Capelania do Quartel de Polícia Militar do Maranhão sob os acordes musicais do teclado e da garganta do nosso amigo Sargento William Guimarães; escreveu o prefácio do meu livro sobre a história do município em que nasci: SÃO VICENTE FÉRRER – História, Povo e Cultura; forneceu-me muitas informações para compor um artigo sobre a História do Carnaval para o Jornal Cidade de Pinheiro; quanto a mim, eu escrevi, declamei, cantei poemas e músicas para homenageá-lo em seus aniversários de nascimento e de nunciatura apostólica, como é o caso do poema “Cantar por São Luís”, do qual transcrevo aqui um pequeno trecho:
“Encontrar Nauro na Rampa do Palácio
E ter vontade de entoar uma canção
Indo assistir a uma missa celebrada
Com a fé e a força do Monsenhor Hélio Maranhão
Que sempre prega do Evangelho a Boa Nova
Com a voz festiva que lhe dita o coração.”
               
            Durante quase trinta anos o Monsenhor Hélio Maranhão foi para mim amigo, conselheiro, um pouco pai, colega na arte das letras e na devoção a Nossa Senhora, irmão em Cristo, irmão de alma... portanto não é fácil escrever uma mensagem que defina de forma sucinta o meu afeto e a minha ligação com alguém tão importante em minha vida.
Por isso me despeço apenas com estes singelos versos:

Sinônimo de festa fostes sempre,
Querido amigo de brilhante aura,
Fazer amigos era a tua vaidade
Porque adoravas um dengo, um galanteio,
E nada era pra ti mais importante
Que o solene compromisso da amizade.
Tua voz cantava o amor
E o teu sorriso enfeitava o dia
Com a inocência de um riso de criança
O mundo a encher de cor
Na expressão maior de alegria
E na passionalidade que toda alma alcança
Ao trautear o canto, o riso e a dor,
Como os acordes de doce melodia
Ao refletir no olhar de um amigo
O terno brilho da felicidade.
E agora que te fostes pra bem longe
Lembrar de ti é pura poesia,
É a sinonímia da saudade.
Porém, ao invés do adeus
Que normalmente se diria,
Lembrando que a vida é eternidade
Eu te direi simplesmente:

- Amigo, até um dia!


Gracilene Pinto * Advogada efetiva (concursada) da prefeitura de São Luís.  Escritora, poeta, dramaturga, roteirista, cronista e romancista. Tem 7 livros publicados, dentre os quais Serões da Baixada, (crônicas),   oito 8 livros prontos ainda não publicados e alguns iniciados; nove 9 roteiros teatrais (três já montados e apresentados); 2 roteiros para cinema; e 1 novela de rádio apresentada na Rádio Universitária do Coroado em São Luís do Maranhão.  É  também compositora, tendo  umas 300 composições, algumas gravadas por Célia Sampaio. Compôs  o Hino dos 200 anos  da cidade de São Vicente Ferrer, sua terra natal, o dos 60 anos de São João Batista, um para a Academia Maranhense de Letras, um para o Pericumã e um hino à Baixada do Maranhão.


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