sábado, 25 de abril de 2020

PRECISA-SE DE MATÉRIA PRIMA PARA SE CONSTRUIR UM PAÍS




Em outubro de 2015, quase às vésperas do dia em que se comemora o feriado  da Independência do Piauí, publiquei um texto de autoria do João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) referindo-se à situação política em nosso país.
No preâmbulo, disse que  Brasil encontrava-se em uma crise política e econômica. Hoje, quase 05 (cinco) anos depois dessa publicação,  a situação continua no mesmo, ou até pior, porque além da crise política e econômica, uma crise na saúde brasileira por conta dessa pandemia que pegou o mundo de surpresa. Nesse último caso, não podemos por a culpa em ninguém, mas sim, conclamar  a todos, indistintamente, quer sejam  políticos, autoridades da saúde, imprensa, população de um modo em geral para, em vez de ficarem trocando  agressões nas chamadas redes sociais, unirem-se em torno de um bem comum que é a saúde do povo brasileiro. Claro que se todos estiverm com saúde, com disposição para o trabalho, a economia evidentemente crescerá.
Em decorrência dos últimos acontecimentos na política brasileira resolvi republicar na íntegra  a postagem do dia 17/10/2015, que traz como título 

PRECISA-SE DE MATÉRIA PRIMA PARA SE CONSTRUIR UM PAÍS 


O país está em crise. Crise política, crise econômica, rebaixamento de crédito diante dos países credores, aumento da inflação, quase à beira de uma recessão econômica.
As notícias que vemos pela televisão dando conta da corrupção que tomou conta de nosso país faz com que cada vez mais deixemos de acreditar nos nossos representantes políticos. Todos são corruptos e ladrões? Acho que não. Ainda deve ter político honesto neste país. Precisamos é descobrir quem é este.
O arrogante presidente da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha foi desmascarado. O maior incentivador do impedimento (impeachment) da presidente Dilma está agora fazendo "conchavos" com o governo para também não ser cassado da presidência da Câmara. E se for decretado o impeachment da presidente Dilma, o próximo presidente vai colocar o país numa condição mais cômoda?  Será que as coisas vão continuar do jeito como estão ou irão piorar? O futuro é incerto e Nostradamus não está mais aqui para fazer uma previsão.
A propósito dessa incerteza que paira em nosso país no momento, um  texto publicado em  2005,  no jornal do meio ambiente  por João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) com o título PRECISA-SE DE MATÉRIA PRIMA PARA CONSTRUIR UM PAÍS retrata muito bem uma situação que não mudou desde aquela época  e que talvez jamais mude.  Eis o texto:

"A crença geral anterior era que Collor não servia, bem como Itamar e
Fernando Henrique. Agora dizemos que Lula não serve.
E o que vier depois de Lula também não servirá para nada.. Por isso estou começando a suspeitar que o problema não está no ladrão corrupto que foi Collor, ou na farsa que é o Lula. O problema está em nós. Nós como POVO. Nós como matéria prima de um país.

Porque pertenço a um país onde a "ESPERTEZA" é a moeda
que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o dólar. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família, baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nas calçadas onde se paga por um só jornal... E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
Pertenço ao país onde as "EMPRESAS PRIVADAS" são  papelarias particulares de seus empregados desonestos, que levam para casa, como se fosse correto, folhas de papel, lápis, canetas, clipes e tudo o que possa ser útil para o trabalho dos filhos ...e para eles mesmos.
Pertenço a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu "puxar" a tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos.
Pertenço a um país onde a impontualidade é um hábito. Onde os diretores das empresas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo
por não limpar os esgotos. Onde pessoas fazem "gatos" para roubar luz e água e nos queixamos de como esses serviços estão caros. Onde não existe a cultura pela leitura (exemplo maior nosso atual Presidente, que recentemente falou que é "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política, histórica nem econômica. Onde nossos congressistas trabalham dois dias por semana para aprovar  projetos e leis que só servem para afundar ao que não tem, encher o saco ao que tem pouco e beneficiar só a alguns.

Pertenço a um país onde as carteiras de motorista e os certificados médicos podem ser "comprados", sem fazer nenhum exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no ônibus, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar o lugar.

Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o pedestre. Um país onde fazemos um monte de coisa errada, mas nos esbaldamos em criticar nossos governantes.

Quanto mais analiso os defeitos do Fernando Henrique e do Lula, melhor me
sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem "molhei" a mão de um guarda
de trânsito para não ser multado.

Quanto mais digo o quanto o Dirceu é culpado, melhor sou eu como brasileiro, apesar de ainda hoje de manhã passei para trás um cliente através de uma fraude, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.

Não! Não! Não! Já basta!!.

Como "Matéria Prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas nos falta muito para sermos os homens e mulheres que nosso país precisa.

Esses defeitos, essa "ESPERTEZA BRASILEIRA" congênita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos de escândalo, essa falta de qualidade humana, mais do que Collor, Itamar, Fernando Henrique ou Lula, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são brasileiros como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não em outra parte...

Me entristeço.

Porque, ainda que Lula renunciasse hoje mesmo, o próximo presidente que
o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada...

Não tenho nenhuma garantia de que alguém o possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Collor, nem serviu Itamar, não serviu Fernando Henrique, e nem serve Lula, nem servirá o que vier.

Qual é a alternativa?

Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror?

Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa "outra coisa" não comece a surgir de
baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente sacaneados!!!

É muito gostoso ser brasileiro. Mas quando essa brasilinidade autóctone começa a serum empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, aí a coisa muda...

Não esperemos acender uma vela a todos os Santos, a ver se nos mandam um
Messias. Nós temos que mudar. Um novo governador com os mesmos brasileiros não poderá fazer nada. Está muito claro... Somos nós os que temos que mudar.

Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda nos acontecendo:
desculpamos a mediocridade mediante programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez!

Agora, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim, exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que não se faça de surdo, de desentendido.

Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO.

AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO EM OUTRO LADO.

E você, o que pensa?.. MEDITE!"




João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro (Itaparica23 de janeiro de 1941 — Rio de Janeiro18 de julho de 2014)  Membro da Academia Brasileira de Letras na sucessão do piauiense  Carlos Castello Branco.  Foi escritor, colaborador de jornais cariocas O Globo e teve algumas obras de sua autoria adaptadas para a televisão e para o cinema. Foi  ganhador do Prêmio Camões de 2008, além de ter sido distinguido em outros países, como a Alemanha. É autor de romances como Sargento Getúlio,O Sorriso do Lagarto , A Casa dos Budas Ditosos, que causou polêmica e ficou proibido em alguns estabelecimentos, e Viva o Povo Brasileiro tendo sido, esse último, destacado como samba-enredo pela escola de samba Império da Tijuca, no Carnaval de 1987. 

Um comentário:

  1. Que bom texto! Que possamos refletir sobre isso! Foram bem colocadas as verdades q precisamos ouvir. Se o cidadão não melhora suas atitudes e caráter, o q esperar de um governante? Que essa pandemia possa nos tirar a venda dos olhos e q cada um comece sua reforma íntima como pede o momento. Obrigada, Gallas, por nos compartilhar cultura e conhecimento!

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