Procissão do Fogaréu em Campo Maior
Elmar Carvalho
Em recente conversa com o professor e multi-instrumentista José Francisco Marques, lhe informei que pedi ao médico Domingos José de Carvalho, meu parente e amigo, para que apresentasse ao bispo da Diocese de Campo Maior uma minha sugestão, qual seja, instituir a Procissão do Fogaréu.
A velha cidade, depois de Oeiras, creio, é a mais antiga freguesia ou curato do Piauí, que teve seus primórdios na antiga igreja de Santo Antônio do Surubim, construída pelo último mestre de campo das Conquistas do Piauí e do Maranhão, a pedido de seu parente e amigo padre Tomé de Carvalho, primeiro vigário de Oeiras, e que bem pode ser considerado o fundador ou, pelo menos, um dos fundadores daquela velha urbe, primeira capital de nosso estado.
Quando eu tinha finalizado a versão que eu considerava definitiva deste texto, encontrei na sala a revista Cidade Verde, edição 213, de 21/04/2019, que traz uma matéria do Fonseca Neto, na qual consta um documento recentemente vindo a público. Trata-se da Resolução expedida da Mesa da Consciência e Ordens, datada de 20 de maio de 1740, assinada pelo bispo Dom Manuel da Cruz, que criava as freguesias da Caatinguinha (Valença do Piauí) e a do Gurgueia (Jerumenha) e elevava à categoria de freguesia os curatos de Piracuruca, do Surubim (Campo Maior), Parnaguá e Poti (depois, Marvão, e hoje Castelo do Piauí). Por via de consequência o curato de Campo Maior, cuja primeira igreja data de 1712, só passou a freguesia em 20/05/1740.
Julgo importante dizer que a Festa do Divino é realizada em Amarante (PI) há mais de 110 anos, mas depois, de certa forma, caiu no esquecimento. Faz cerca de uma década, suponho, foi reativada com toda pompa e circunstância, como se costuma dizer para realçar um fato, por Marcelino Leal Barroso de Carvalho, que foi meu professor no curso de Direito (UFPI). Portanto, uma tradição pode ser retomada ou criada.
Marcelino, que foi diretor geral do Instituto Camillo Filho e auditor-fiscal do Estado do Piauí, a suas expensas comprou um vetusto casarão na Avenida Des. Amaral, e nele instalou o Museu do Divino. Os fiéis carregam um lindo estandarte e envergam uma bela veste talar, uma espécie de opa ou túnica.
Também promove eventos culturais na época da festa, uma espécie de serenata pelas ruas da bucólica e mimosa Amarante, inclusive com a participação do instrumentista professor Melquíades, seu irmão. Eu mesmo, mais de década atrás, tive meu livro Lira dos Cinquentanos lançado por ele, em um solar da Des. Amaral, pertencente a familiares dos irmãos Álvaro e Raimundo Luiz Cutrim Costa. Posteriormente, ele me prefaciou o livro Amar Amarante, que tem uma bela capa de sua filha Ana Cândida Nunes Carvalho. Este opúsculo foi lançado no dia 6 de dezembro de 2013, na solenidade em que recebi o título de Cidadão Amarantino. Seu exemplo teve seguidor, porquanto, em Oeiras, novamente Oeiras, viva Oeiras, Olavo Braz Barbosa Nunes Filho fundou o Museu do Divino, no qual, além das várias peças sacras, há placas com vários poemas de oeirenses ou que falam na velhacap, inclusive o meu Noturno de Oeiras.
Voltando à minha sugestão da criação do Fogaréu, quero dizer que essa procissão é mais do que centenária em várias cidades mineiras e em Oeiras, que tem uma das mais belas Semanas Santas do Brasil, já que a sua procissão de Bom Jesus dos Passos é comovente, sobretudo por causa da multidão que aglutina e do canto melancólico e doloroso de Maria Beú, que nos rasga a alma e nos parte o coração, mormente no momento da lancinante passagem, que parece nos ecoar como um estribilho de miserere, que dilacera e fere:
“Caminheiros, que passais por este caminho, parai um pouquinho, e olhai, por favor, se neste mundo existe uma dor assim tão grande, como a dor de minha dor”.
Contudo, enfatizo que toda tradição começa com a sua primeira vez, com o seu primeiro passo. E a nossa episcopal Campo Maior mostra seu fervor católico no Festejo de Santo Antônio do Surubim, que, no gênero, é a maior festa religiosa do Piauí, pelo menos sob a invocação desse santo, que além das trezenas, tem ainda a solenidade de condução e levantamento do mastro, com o seu folclore e crendice.
Ainda me recordo da procissão de Bom Jesus dos Passos. Quando Nossa Senhora se encontrava com Jesus a carregar o pesado lenho, monsenhor Mateus nos comovia com um vibrante sermão, que falava nas dores de Cristo e no acerbo sofrimento de Maria. Essa cerimônia religiosa me fez escrever estes versos, que fazem parte de meu poema Vida in Vitro, apresentado pelo poeta e ator José Teixeira Pacheco como um monólogo, em mais de uma ocasião:
sentes ainda o cheiro dolorido e pisado dos alecrins
da paixão do senhor morto, do horto das agonias,
das chagas vermelhas, maceradas, da túnica
roxa, brilhante, da coroa de espinhos, dos cravos,
não os de cheiro, mas os de ferro, que ferem…
eras infante, então, e como sofreste
e como fizeste sofrer tua mãe, madona,
mater dolorosa e pietá sofrida e consoladora
de teus sofrimentos de então e de sempre.
Na minha sugestão, além de estandarte, de vestes talares, como opas ou túnicas, a que não poderia faltar a imprescindível lamparina ou tocha, poderiam ser incorporados ou não máscaras e elmos, se for o caso. As vestes e as lamparinas poderiam ser vendidas por uma loja do bispado, tanto para financiar as despesas do evento, como as obras sociais diocesanas, ou cada participante faria a sua própria roupa e tocha, conforme modelo padrão elaborado pela Diocese. E, sem dúvida, ainda haveria o benefício econômico do turismo.
Sei que Dom Francisco, simpático e dinâmico, que por sinal me foi apresentado pelo Dr. Domingos José, haverá de apreciar a nossa sugestão com cuidado e zelo, sem dúvida levando em conta a tradição e a antiguidade da Igreja Católica Apostólica Romana em Campo Maior, onde fica sua cátedra pontifical
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