domingo, 8 de maio de 2022

CRÔNICA DE ALTEVIR ESTEVES

TEMPESTADES E COLHEITAS

Altevir Esteves * 



                Hoje é domingo de outono. Pela origem do nome e pela tradição, outono é a estação dos frutos. Verdade que dada a tecnologia agrícola moderna e a vida citadina, quase não se observa isso, porque a sessão de hortifrutigranjeiros dos supermercados sempre estão cheias. Lembrar que o fenômeno se refere à produção natural, sem intervenção humana, quando as árvores, após atravessar as intempéries do verão, com mais calor e chuvas, se dão conta que têm que procriar, pois na estação anterior correu risco de morte e precisa deixar sementes, filhos, herdeiros para a continuidade da vida na Terra. Acreditem ou não, nas florestas, nas savanas e na vida selvagem isso continua acontecendo.

                A dinâmica da vida é sempre assim. Tem aquela frase popular que “depois da tempestade vem a bonança” (livro da Oneida Terra). Que é preciso atravessar jornadas difíceis, que às vezes parecem intransponíveis, dolorosas, como noites insones com uma dor que não passa nem com os mais fortes remédios. Mas, finalmente o dia amanhece e aparece ajuda, os medicamentos fazem efeito ou simplesmente a luz solar aquece e espanta qualquer sensação ruim. 

                É o primeiro semestre após um longo período de travessia. Já vivenciamos turbulências, dias tristes, enjaulados, vendo o mundo parado lá fora. Curioso é que não faltou produtos alimentícios nos mercados (pelo menos para quem podia comprar). E quem estava produzindo, transportando, vendendo? Eles estavam também nas suas tempestades e ao invés de agonizar na amurada do convés, trabalhavam. Aquelas pessoas - anônimas - pelejaram por meses seguidos, entre o suor e a solidão, entre a agonia das horas e a esperança. Muitos deles entre a vida e a morte, vendo-a entre colegas, parentes e amigos. Mas continuaram plantando sob intempéries, sob o sol, sob a chuva, sob raios e trovões, sob o medo, sob a dor. Mas, plantaram! 

                Agora é outono. Um novo outono. Um tempo no qual precisamos colher frutos, mas estes precisavam ter sido plantados quando era tempo, mesmo tempo de tempestade, porque a vida nunca parou, nunca para.  Os frutos que colhemos agora foram de trabalho fecundo, de novas aprendizagens, novas formas de pensar e de agir, novos movimentos no corpo, fortalecendo-o, agitando-o, preparando-o para, quando descer da embarcação, exaustos, mas felizes pela sobrevivência, poder andar na praia, nadar, correr, caçar uma fruta doce e de polpa macia, respirar ar não salinizado, gritar a plenos pulmões pela liberdade, pela vida abundante que o mestre recomendou que a tenhamos. 

                O dia nasce e com ele outro período. Se vai ter outra dor? Bom, se for tempestade ou não, se for uma noite insone, um luto sofrido, isso também vai passar. Mas enquanto estivermos prestes a chorar, lembremo-nos de usar nossas lágrimas para irrigar o solo de nossas mentes, para que receba nossas sementes, fecundando-as e no próximo outro tenhamos bons e doces frutos a colher.

                A Vida há de continuar, sempre!

Altevir Esteves * funcionário aposentado do Banco do Brasil, escritor, poeta, maratonista e membro da Academia Parnaibana de Letras - Cadeira nº 14.

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