domingo, 29 de novembro de 2020

SUSTENTO

 M Dulcinéa (*)



O que me sustenta são as memórias.

São as histórias contadas por minh'avó

O que me sustenta é o canto das andorinhas sozinhas, sozinhazinhas.

O que me sustenta é meu choro, é o coro dos sabiás, é a saudade.

O que me sustenta é a solidão dos outros, também minha.

O que me sustenta é mergulhar em mim, sem narcisismo.

O que me sustenta é o fogo das paixões, migalhas de esperança, as pequenas alianças, alianças desvinculadas.

O que me sustenta são as palavras em procissão ("uma andorinha só não faz verão"). Verão.

O que me sustenta é a primavera sem flores. Não há chuva.

O que me sustenta não é a fé, mas o fazer crer, o processo,  a travessia.

O que me sustenta é minha busca infindável.

O que me sustenta é o pouso interminável da poesia.

O que me sustenta é a insustentabilidade do ser que tudo precisa ser.

O que me sustenta é a mutabilidade do tempo, do agora.

O que me sustenta é a possibilidade de sempre, sempre ser aprendiz.

O que me sustenta é a  (qualquer) possibilidade de perspectiva do agora eterno.

O que me sustenta são as páginas em branco e preenchê-las, deixando espaços...

O que me sustenta é  olhar o firmamento e as estrelas e, quando é possível vê-las,

Acordar, ver  as nuvens brincando, como se fossem carneirinhos de algodão.

O que me sustenta é a linguagem, essa ferramenta sedenta que se apropria do signo para dizer

O dito não dito, a fim de ambiguizar o que se quer e aquilo que não se quer mostrar. 

O que me sustenta é a possibilidade da utopia.


Mdsr Rio, 24 de setembro de 2014 - 18 hs.

(*) M Dulcinéa é natural de Tutóia, estudou em Parnaíba no Colégio Nossa da Graça. Residiu no Rio de Janeiro e agora reside em Parnaíba. É mestra em Língua Portuguesa e em Psicopedagogia. 




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